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Da algazarra à concertação: A aprendizagem motora vista do lado dos neurónios

Peer-Reviewed Publication

Champalimaud Centre for the Unknown

Quando se começa a aprender piano, hesita-se muito e bate-se com frequência nas teclas erradas. Mas com treino, os movimentos tornam-se mais fluidos e certeiros. Este aperfeiçoamento motor acontece primeiro no cérebro, mas como é que os neurónios envolvidos se organizam para identificar e consolidar os circuitos neurais que melhor permitem este fino controlo motor?

Uma equipa internacional de neurocientistas, que integra dois investigadores do Centro Champalimaud (CC), em Lisboa, começou a "dissecar" a evolução dos padrões de actividade neural associados à aprendizagem de tarefas motoras por animais. Os resultados, que foram publicados na revista Neuron, poderão permitir melhorar o desempenho das interfaces cérebro-máquina (ICM), dispositivos que permitem a doentes paralisados controlarem braços robóticos literalmente "com o poder da mente".

A aprendizagem motora passa por uma primeira fase de tentativa e erro e uma fase final de consolidação dos movimentos. "Quando um animal está a aprender a realizar uma nova tarefa motora, começa por explorar diferentes movimentos", explica Vivek Athalye, primeiro autor do estudo, que partilha o seu tempo entre a Universidade da Califórnia em Berkeley e o CC. "E, à medida que vai observando as consequências dos seus movimentos, vai moldando-os e acaba por consolidar aqueles que são bem-sucedidos."

Mas Athalye quer saber mais. "O que nós queremos saber é como o cérebro explora e consolida os padrões de actividade neural subjacentes a estas alterações de comportamento", enfatiza.

Para isso, juntamente com Rui Costa -- Investigador do Champalimaud Research - Athalye utilizou, no estudo agora publicado, dados obtidos, em 2009, pelos dois outros co-autores do estudo, José Carmena e Karunesh Ganguly, respectivamente da Universidade da Califórnia em Berkeley e em San Francisco. "Os dados já estavam disponíveis", diz Costa. E acrescenta, em forma de aparte: "O que mostra que, nesta era de Big Data, nem sempre são precisas novas experiências para fazer avançar o conhecimento".

As experiências de Carmena e Ganguly foram feitas em dois animais, cada um deles com electrodos implantados no córtex motor e ligados a uma ICM. Os electrodos captavam em simultâneo a actividade de mais de uma dezena de neurónios do seu córtex motor e os animais tinham aprendido a deslocar um cursor num ecrã de computador através da actividade dessa dezena de neurónios.

"Os animais percebem rapidamente, ao fim de um dia, que conseguem movimentar o cursor com a actividade cerebral", explica Costa. Também neste caso, após uma fase de exploração inicial, o comportamento dos animais evoluiu para uma consolidação dos movimentos do cursor. "Após 15 sessões de treino, os animais tornam-se experientes", salienta.

Por outro lado, Athalye e Costa -- e outras equipas independentes - tinham registado alterações da actividade neuronal no córtex motor durante a aprendizagem de outras tarefas motoras por animais.

"No córtex motor, a actividade começa por ser muito variável e depois torna-se consistente, menos variável, cristaliza", salienta Costa. "Foi então que o Vivek começou à procura da maneira como o cérebro estaria a operar esta mudança".

Contudo, uma das coisas que não era clara era se os neurónios faziam variar a sua actividade de forma independente (os autores dizem "privada") ou conjunta (ou seja, partilhada). "Como é que os neurónios coordenam a sua actividade ao longo da aprendizagem?", pergunta Athalye. "Será que cada neurónio explora e adquire padrões de actividade independentemente dos outros, ou será que se coordenam para procurar e adquirir padrões de actividade? Para responder a esta pergunta, desenvolvemos modelos estatísticos" com base nos resultados observados nos animais.

"O Vivek desenvolveu um algoritmo que separa efectivamente a componente privada da componente partilhada da actividade neuronal", acrescenta Costa. "E descobriu que, na fase inicial da aprendizagem, a actividade dos neurónios é em grande parte privada, ao passo que, quando os animais se tornam muito bons a desempenhar a tarefa motora (experientes), a actividade neuronal passa a ser sobretudo coordenada. Como instrumentos musicais que começam por tocar separadamente e no fim formam uma orquestra."

"Descobrimos que, no início, quando o cursor explorava o ecrã do computador, cada neurónio agia de forma independente -- o que sugere que o cérebro tem uma grande flexibilidade para identificar os padrões de actividade que produzem comportamento", acrescenta Athalye. "Mas depois, durante a aprendizagem, os neurónios começam a coordenar a sua actividade para conseguir controlar o cursor com destreza."

Uma consequência destes resultados, dizem os autores, é que tornam possível o desenvolvimento, no futuro, de ICM com melhor desempenho para aplicações médicas, como o uso de braços robotizados por doentes paralisados. Isto porque, em princípio, deverá ser possível extrair, do "ruído" produzido por inúmeros neurónios, a actividade dos neurónios relevantes para realizar uma dada tarefa motora com perícia -- e a seguir, enviar apenas esses sinais relevantes para o braço robotizado.

As condições experimentais do estudo são obviamente muito mais simples do que as da aprendizagem motora natural, onde são os músculos que efectuam os movimentos sob o comando do cérebro. Mas, como diz Costa, "no movimento natural, não conseguimos identificar quais são exactamente os neurónios que estão a controlar os músculos". Aqui, pelo contrário só podem ser os neurónios que se encontram ligados à ICM.

Isso não impede os autores de especular que um processo semelhante ao que observaram nas experiências com animais também estará subjacente à aprendizagem motora normal. "No domínio das hipóteses malucas", diz Costa, "acho que os nossos resultados poderão permitir explicar muitos processos de aprendizagem."

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