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Hunger Games da mosca-da-fruta: neurónios gustativos ao comando

Peer-Reviewed Publication

Champalimaud Centre for the Unknown

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image: Os neurónios gustativos agora identificados aparecem a verde na ponta da probóscida da mosca-da- fruta. view more 

Credit: Kahrin Steck

Uma equipa de neurocientistas do Centro Champalimaud, em Lisboa, acaba de descobrir que, não fossem certos neurónios gustativos situados na probóscida da mosca-da-fruta (o equivalente da nossa língua), a mosca não desenvolveria apetência por proteínas mesmo que precisasse destes nutrientes de forma muito premente. Os resultados, publicados na revista eLife, poderão constituir um passo em frente para a prevenção de determinadas doenças humanas transmitidas por insectos.

A equipa já tinha mostrado que as moscas desenvolvem avidez por proteínas quando são privadas de aminoácidos essenciais, ou seja, quando lhes faltam os tijolos de construção das proteínas que o seu organismo não consegue sintetizar. Mas não se sabia quais eram os mecanismos neuronais envolvidos.

No novo estudo, liderado por Carlos Ribeiro e cujos autores principais são Kathrin Steck e Samuel Walker, os cientistas mostram agora que essa avidez tem a ver com alterações no sistema gustativo - e identificam dois grupos de neurónios necessários para desenvolver esse apetite pelas proteínas.

A equipa começou por procurar os neurónios sensoriais responsáveis pela apetência que as moscas-da-fruta desenvolvem por levedura quando se encontram carentes em aminoácidos. A levedura é a principal fonte de proteína das moscas-da-fruta, que ingerem proteína quando carentes em aminoácidos essenciais.

"O primeiro passo consistiu em silenciar de forma sistemática diversos neurónios das moscas à procura dos que, quando desligados, eliminavam o apetite por levedura das moscas privadas de proteína", diz Ribeiro.

Os autores descobriram então que, ao silenciar determinados neurónios gustativos, conseguiam inibir o apetite das moscas por levedura. E isto verificava-se mesmo quando a urgência em ingerir proteína atingia o seu máximo: as fêmeas utilizadas nesta fase do estudo estavam grávidas e tinham portanto as mais prementes necessidades protéicas para conseguirem produzir ovos.

Na realidade, os cientistas identificaram dois conjuntos diferentes de neurónios gustativos envolvidos no apetite dos insectos por levedura: um no exterior da probóscida e outro na sua superfície interior.

A seguir, confirmaram o papel dos neurónios gustativos identificados registando a actividade dessas mesmas células nervosas, mas agora plenamente funcionais. "Mostrámos que na mosca-da-fruta privada de aminoácidos essenciais, o facto de lhes colocarmos levedura na língua desencadeava uma reacção específica à levedura nestes neurónios gustativos", explica Ribeiro.

"Ficámos surpreendidos ao ver que a resposta destes neurónios gustativos à levedura aumentava depois de as moscas terem sido alimentadas com uma dieta pobre em aminoácidos", salienta Ribeiro. A equipa não esperava que uma tal mudança em resposta ao mesmo sabor, em função da fome da mosca, pudesse acontecer a um nível tão precoce no tratamento da informação sensorial - logo na ponta da língua. Na presença de levedura, "Os neurónios tornavam-se muito sensíveis à levedura e geravam muitos impulsos nervosos".

Segundo Ribeiro, tal significa que estes neurónios específicos da probóscida fazem com que a levedura tenha um sabor muito melhor para os animais privados de aminoácidos, o que explica o seu grande apetite por levedura. "Estes neurónios alteram a forma como a mosca-da-fruta vê o mundo", frisa.

Como já foi referido, para além dos níveis de aminoácidos, o apetite das moscas por proteínas é influenciado por um outro importante estado interno: o seu estado reprodutivo. Isto acontece porque, uma vez acasaladas, as moscas começam a produzir ovos, produção que está absolutamente dependente da ingestão de proteína. "As moscas fêmeas grávidas comem quantidades muito maiores de proteína do que as fêmeas virgens, porque precisam de fabricar ovos", diz Ribeiro.

Porém, surpreendentemente, a equipa não detectou qualquer efeito do estado reprodutivo das moscas sobre a actividade dos neurónios gustativos, tanto nas moscas privadas de aminoácidos como nas que tinham aminoácidos suficientes na sua dieta. "Este é um dos primeiros estudos", diz Ribeiro, "que mostra que o acasalamento altera a forma como a mosca sente o sabor dos alimentos num outro nível do cérebro" - e não ao nível da língua. Um resultado, acrescenta, que "é muito importante para as neurociências", na medida em que se sabe que muitos estados internos diferentes afectam o comportamento, mas não é sabido como os sinais provenientes de cada um desses estados são integrados pelo cérebro para produzir um determinado comportamento.

Comer e continuar a comer

A equipa mostrou ainda que cada um dos dois conjuntos de neurónios identificados regula uma parte diferente do comportamento alimentar destes insectos. Só foi possível obter este resultado inédito, diz Ribeiro, graças ao "flyPAD", uma tecnologia desenvolvida no Centro Champalimaud. "O 'flyPAD' permite-nos ver de forma muito precisa como os animais se alimentam", explica. "Utiliza tecnologia de ecrãs tácteis como o nosso iPhone ou iPad".

Mais especificamente, os cientistas descobriram que os neurónios gustativos no exterior da probóscida eram responsáveis pela iniciação do comportamento alimentar, enquanto os do interior sustentavam esse comportamento. "O primeiro conjunto faz com que a mosca comece a comer levedura, assinalando-lhe que se trata da comida certa, e o segundo diz-lhe para continuar a comer levedura porque continua a tratar-se da comida certa", resume Ribeiro.

Caso neurónios semelhantes ao da mosca-da-fruta estejam em jogo na avidez dos mosquitos por proteína, isto poderia ter implicações para o controlo da malária e de outras doenças transmitidas por mosquitos. A maior parte do tempo, os mosquitos alimentam-se de néctar; apenas as fêmeas picam os animais e as pessoas - porque, mais uma vez, precisam absolutamente de proteína para pôr ovos.

"Se os mosquitos possuírem neurónios gustativos semelhantes aos da mosca-da-fruta, um composto químico capaz de bloquear esses neurónios gustativos nas fêmeas de mosquito poderia cancelar essa apetência", diz Ribeiro, impedindo assim a transmissão do parasita da malária dos insectos para as pessoas. "Seria um importante contributo no sentido de travar a difusão de muitas doenças mortais."

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