image: Facial expressions reflect the complex, parallel computations happening in the brain.
Credit: Carole Marchese
“Ler mentes” evoca imagens de máquinas de scan futurísticas, mas um estudo publicado agora na Nature Neuroscience veio demonstrar que um simples vídeo pode ser suficiente. Através de técnicas de Aprendizagem de Máquina, uma equipa da Fundação Champalimaud em Portugal, mostrou que os movimentos faciais dos ratinhos são um reflexo dos seus pensamentos escondidos. Segundo os autores, esta descoberta pode oferecer uma compreensão sem precedentes do funcionamento do cérebro, mas também levanta a necessidade de salvaguardar a privacidade mental.
É relativamente fácil ler emoções no rosto das pessoas - cada uma tem a sua assinatura clara e inconfundível. Mas e os pensamentos? Um estudo publicado na Nature Neuroscience mostra que as estratégias de resolução de problemas dos ratinhos podem ser decifradas a partir dos seus movimentos faciais subtis. Segundo os autores, esta descoberta assume-se como uma prova de conceito de que é possível ler a mente através de gravações vídeo, potencialmente abrindo caminho para novas ferramentas de investigação e diagnóstico.
“Para nossa surpresa, descobrimos que conseguimos obter tanta informação sobre o que o ratinho estava a pensar como a que conseguimos ao registar a atividade de dezenas de neurónios”, avançou Zachary Mainen, autor do estudo e Investigador Principal na Fundação Champalimaud. “Ter um acesso assim tão fácil ao conteúdo escondido da mente, pode trazer um impulso importante para a investigação do cérebro. Contudo, também evidencia a necessidade de começarmos a pensar em regulamentação de proteção para a nossa privacidade mental.
Em que pensam os ratinhos?
Num estudo publicado em 2023, a equipa tinha desafiado ratinhos, ao colocá-los num puzzle em que tinham de descobrir qual, das duas fontes de água apresentadas, fornecia a recompensa adocicada. Uma vez que a disponibilização da água doce era feita de forma alternada, os ratinhos tinham de desenvolver estratégias para decidir qual a fonte a escolher.
“Sabíamos que os ratinhos conseguiam solucionar esta tarefa usando estratégias diferentes, e conseguimos identificar a estratégia adoptada de acordo com o seu comportamento”, explica Fanny Cazettes, a primeira autora do estudo e atualmente Investigadora Principal no Centre National de la Recherche Scientifique and Aix Marseille University. “Estávamos à espera que os neurónios, no cérebro dos ratinhos, apenas refletissem a estratégia usada, mas a verdade é que todas as estratégias estavam presentes ao mesmo tempo, independentemente daquela que estavam a usar num dado momento.”
Esta descoberta apresentou à equipa uma oportunidade única de fazer a ligação entre a atividade do cérebro e os movimentos faciais. E foi então que perguntaram: “Será que todas as estratégias, presentes no cérebro, também poderão ser detectadas no focinho?”
O espelho da mente
A equipa gravou os movimentos faciais dos animais bem como a atividade dos neurónios no seu cérebro e analisou estes dados usando algorítmos de Aprendizagem de Máquina. Os resultados foram surpreendentes - os movimentos faciais eram tão informativos quanto as populações de neurónios.
O co-autor Davide Reato, atualmente Investigador Associado na Aix Marseille University and Mines Saint-Etienne sublinhou que muito embora estes resultados sejam extraordinariamente robustos, as similaridades encontradas entre ratinhos foram ainda mais surpreendentes. “Padrões faciais semelhantes, representaram as mesmas estratégias em diferentes ratinhos. Isto sugere que o reflexo de determinados padrões de pensamento ao nível dos movimentos faciais pode ser estereotipado, muito à semelhança do que acontece com as emoções.”
Um nova forma de estudar o cérebro
De acordo com os autores, este estudo abre caminho para o estudo do cérebro de forma não invasiva, o que nos poderá ajudar a melhor compreender o funcionamento do cérebro na saúde e na doença. Contudo, dada a natureza omnipresente das gravações vídeo na nossa sociedade, os autores realçam a importância de considerar a proteção da privacidade mental das pessoas.
“O nosso estudo mostra que os vídeos são mais do que a gravação de comportamentos - podem ser uma janela aberta para a atividade cerebral. E embora isto possa ser muito entusiasmante do ponto de vista científico, também levanta muitas questões sobre a necessidade de salvaguardar a nossa privacidade”, conclui Alfonso Renart, autor do estudo e Investigador Principal da Fundação Champalimaud.
Journal
Nature Neuroscience
Method of Research
Experimental study
Subject of Research
Animals
Article Title
Facial expressions in mice reveal latent cognitive variables and their neural correlates
Article Publication Date
30-Sep-2025