Article Highlight | 18-Nov-2025

Iniciativas Comunitárias Podem Reduzir a Inequidade na Saúde: O Exemplo da Vacinação contra a covid-19 nas Favelas do Rio de Janeiro

Iniciativa brasileira é exemplo de resiliência e engajamento comunitário durante crise sanitária

D'Or Institute for Research and Education

A pandemia de covid-19 evidenciou desigualdades históricas no acesso à saúde, tanto em âmbito global quanto no Brasil. Essas disparidades manifestaram-se de forma acentuada no acesso a leitos hospitalares e a vacinas, especialmente em comunidades de baixa renda nas grandes cidades e em regiões com menor índice de desenvolvimento humano.

Em resposta a esse cenário, o projeto Vacina Maré foi implementado em 2021 com o objetivo de ampliar a vacinação e estudar dados de saúde durante a pandemia nas favelas. A iniciativa, que está ativa até os dias atuais, foi idealizada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), pela organização Redes da Maré e pela Prefeitura do Rio de Janeiro, contando com o apoio do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR) e de diversas outras instituições de pesquisa.

O Complexo da Maré abriga 16 favelas no Rio de Janeiro e aproximadamente 140 mil habitantes. Desde o início da pandemia, a comunidade foi palco de intervenções comunitárias, dentre as quais o Vacina Maré compôs um conjunto de ações que incluíam vacinação, vigilância local, assistência por telemedicina, apoio social e comunicação de riscos. O sucesso do projeto foi atribuído, entre outros fatores, ao massivo engajamento da população local na iniciativa, resultando em uma grande visibilidade e apresentações na Organização Mundial da Saúde, Ministério da Saúde e diversos centros de pesquisa internacionais.

Reduzindo a inequidade no acesso à imunização

Em um artigo de 2024 publicado The Lancet Regional Health – Americas, dados do projeto foram apresentados para toda a comunidade científica, computando o auxílio comunitário de 1.800 voluntários durante as campanhas de vacinação.

As campanhas ocorreram de 29 de julho a 1º de agosto de 2021 para a primeira dose e de 14 a 16 de outubro para a segunda. Na primeira fase, há seis meses do início da vacinação no Brasil, o Dados do Bem já apontava que áreas de comunidades apresentavam maior número de infecções e necessitava maior apoio de políticas públicas. A campanha de vacinação foi direcionada a residentes entre 18 e 33 anos, faixa etária ainda não contemplada pela priorização por idade.

Notavelmente, a população adulta da Maré alcançou 100% de cobertura vacinal para a primeira dose e 76% de cobertura para a segunda dose, superando a cobertura do restante do município. O complexo apresentou um número semanal de doses aplicadas superior ao do restante da cidade durante as semanas de campanha: 2,3 vezes maior na primeira fase e 3,0 vezes maior na segunda fase. Isso resultou em uma diferença na cobertura vacinal, que era inferior ao resto da cidade antes da primeira fase da iniciativa e resultou em uma cobertura 22,4% maior que o resto do Rio de Janeiro ao final das campanhas.

Os autores da publicação concluíram que campanhas massivas focadas em comunidades vulneráveis são uma estratégia eficaz para reduzir a inequidade no acesso à vacinação. Eles destacaram a necessidade de envolver múltiplos atores nessas campanhas, incluindo ações de engajamento e mobilização vinculadas à participação da sociedade civil.

Intervenções muito além da pandemia

O sucesso vacinal não conteve as ambições do projeto, que foram além da pandemia. A inciativa segue ativa em diversas frentes investigativas, como o monitoramento da covid longa no Complexo, pesquisas envolvendo saúde digital, além da continuidade dos estudos sobre vacina na região.

O engajamento dos moradores locais também segue em atividade, seja através de programas de capacitação em pesquisa clínica ou em ciência de dados. O Dr. Fernando Bozza, pesquisador do IDOR e da Fiocruz que compõe a liderança do projeto, comenta que no momento está em planejamento a criação de um laboratório dentro do Complexo da Maré.

“O CoLab Maré será um espaço dedicado ao desenvolvimento de ferramentas digitais de saúde, conectando moradores do Complexo da Maré e instituições de pesquisa. A proposta é que ele funcione como um living lab, ou seja, um laboratório de inovação e cocriação, promovendo a formação de jovens em pesquisa e ciência de dados, além de contar com uma área voltada para eventos e palestras. O projeto arquitetônico desse espaço colaborativo já está estruturado, e no momento estamos buscando fomento para viabilizá-lo. Mais do que um centro de inovação, queremos que esse laboratório seja um ambiente de inclusão e codesenvolvimento, onde a população participe ativamente da construção de soluções para a saúde”, detalha o cientista.

O Vacina Maré explicita a importância de adaptar ações de saúde ao contexto local, servindo como diretriz não apenas para países de média e baixa renda, como o Brasil, mas para qualquer comunidade com acesso limitado ou desigual a recursos sanitários. A coleta de dados científicos dessa iniciativa reforça o potencial e a importância da ciência brasileira no cenário mundial, contribuindo com estratégias mais resilientes às grandes mudanças sociais e climáticas que o mundo está enfrentando

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