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“Big Brother” celular: modelo 3D com células humanas permite observar metástases cerebrais em tempo real e abre caminho para novos tratamentos

Pesquisa liderada por brasileiros reconstrói o ambiente do cérebro em laboratório e revela, pela primeira vez, interações vivas entre câncer e tecido saudável com potencial para mudar o futuro das terapias contra melanoma metastático

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D'Or Institute for Research and Education

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Credit: D'Or Institute for Research and Education.

Um avanço científico liderado por pesquisadores brasileiros está abrindo novas fronteiras para o entendimento das metástases cerebrais e para o desenvolvimento de tratamentos mais eficazes. Usando células humanas e tecnologias de ponta, o grupo criou um modelo tridimensional (3D) que simula com precisão o ambiente do cérebro invadido por um câncer agressivo: o melanoma. O trabalho, publicado na revista Biofabrication, combina ciência de fronteira, tecnologia e colaboração internacional — e ainda carrega uma história pessoal inspiradora: parte da equipe é formada por um casal de cientistas que, literalmente, leva o trabalho para casa.

A metástase cerebral ocorre quando células cancerígenas migram de um tumor original — no caso, da pele — para o cérebro. Essa fase da doença é uma das mais difíceis de tratar, e sua ocorrência está associada a mais de 90% das mortes por câncer.

“Quando o melanoma chega ao cérebro, a taxa de sobrevida cai drasticamente. Entender como ele se adapta e altera o tecido cerebral é essencial para criar terapias mais eficazes”, afirma a biomédica Helena Borges, professora da UFRJ e colaboradora do IDOR.

 

Um “Big Brother” para observar o tumor vivo e em tempo real

Para simular o ambiente cerebral de forma realista, a equipe utilizou organoides cerebrais, criados a partir de células-tronco humanas. Eles contêm neurônios e astrócitos, replicando estruturas reais do cérebro. Esses organoides foram colocados em dispositivos de microfluídica, onde interagem com células tumorais do melanoma dentro de um sistema 3D que se comporta como o ambiente natural do corpo humano.

O diferencial do estudo está em poder observar, ao longo do tempo, o que acontece dentro desse “minicérebro invadido”, sem precisar destruí-lo.

“É como se a gente tivesse montado um Big Brother celular. Em vez de tirar fotos isoladas em diferentes momentos, agora conseguimos filmar tudo em tempo real, com diferentes tipos de ‘câmeras’: bioluminescência, fluorescência, PET scan”, compara o pesquisador Stevens Rehen, do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR), da Ciência Pioneira e colaborador da Promega.

“Antes, era como se você tirasse uma foto de uma festa antes das pessoas chegarem, uma com todo mundo dançando e uma no fim, com tudo bagunçado. Mas você nunca sabia o que aconteceu entre essas etapas. Agora conseguimos ver o ‘durante’”, completa.

Uma das descobertas mais impactantes foi o comportamento metabólico do tumor. O modelo revelou que o melanoma metastático libera glutamato em excesso — uma substância que funciona como neurotransmissor, mas que, em altas concentrações, se torna tóxica.

“Esse excesso de glutamato mata neurônios e inflama o tecido cerebral ao redor. É uma forma de o tumor se beneficiar, destruindo o ambiente normal que o cerca”, explica Helena Borges. “Conseguimos medir essa liberação ao longo do tempo, sem interferir no modelo. Isso é inédito.”

Além da bioluminescência, os pesquisadores utilizaram PET scan, tecnologia empregada em hospitais, para rastrear substâncias e testar o comportamento de potenciais terapias. A combinação desses métodos forma uma plataforma robusta para entender e interferir no avanço do câncer no cérebro.

Ciência, família e redes internacionais

O estudo também chama atenção pelo aspecto humano: os cientistas Helena Borges e Stevens Rehen, que coordenam o projeto, são casados — e não esconderam que o trabalho invade, sim, a vida familiar.

“A gente mistura as coisas, não tem jeito. Às vezes está na hora do jantar e vem uma ideia. A ciência faz parte da nossa rotina”, comenta Stevens, com bom humor. “Nossos filhos já até brincam: ‘lá vêm eles falar de tumor de novo’.”

Essa parceria extrapola a casa e se estende a uma rede global de pesquisa. O estudo contou com colaboração de instituições como a Universidade de Wisconsin-Madison, que acumula 19 prêmios Nobel, e da empresa de biotecnologia Promega, que contribuiu com tecnologias de detecção celular.

“A Helena trouxe para o Brasil todo o conhecimento de microfluídica adquirido lá fora. Esse projeto é exemplo de como podemos internalizar ciência internacional e criar, aqui, algo de relevância global”, destaca Rehen. “A beleza está justamente nessa mistura de saberes e instituições que geralmente não se cruzam.”

Próximos passos: terapias e acessibilidade

Um dos maiores trunfos do modelo é sua acessibilidade: ele pode ser adaptado para laboratórios que não contam com tecnologias de ponta, permitindo que mais centros de pesquisa no Brasil e no mundo testem novos tratamentos em ambientes realistas.

“A plataforma está pronta para ser usada em testes de novos quimioterápicos ou compostos que possam reduzir o impacto do tumor sobre o cérebro”, explica Helena. “Ela simula com fidelidade o que acontece no corpo, mas com a vantagem de permitir ajustes, observações e experimentos controlados.”

A expectativa é que, com o tempo, a abordagem ajude a acelerar o desenvolvimento de terapias personalizadas, reduzindo os danos ao tecido cerebral e aumentando as chances de sobrevida de pacientes com câncer metastático.


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