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Emissões de nitrogênio na América Latina devem ser monitoradas, afirmam especialistas

Apesar de os países da região e os BRICS serem os maiores usuários de fertilizantes nitrogenados, os impactos das emissões do gás em suas formas reativas não têm sido avaliados

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Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo

Os países da América Latina, juntamente com a China, a Rússia, a Índia e a África do Sul - que, com o Brasil, formam o BRICS -, são os maiores emissores atualmente de nitrogênio reativo, como amônia e óxido de nitrogênio.

Os impactos no ambiente, no clima e na saúde humana das emissões de nitrogênio nessas e outras formas reativas pela queima de combustíveis fósseis, uso de fertilizantes nitrogenados e esgoto não tratado nesses países, contudo, não têm sido monitorados.

O alerta foi feito por especialistas durante a "School of Advanced Science on Nitrogen Cycling, Environmental Sustainability and Climate Change". Realizado pelo Cena-USP e o Inter-American Institute for Global Change Research (IAI), o evento reuniu 100 estudantes de graduação e pós-graduação, sendo 50 do Brasil e 50 do exterior, para discutir a distribuição desigual de nitrogênio no mundo e seu impacto na sustentabilidade ambiental em um cenário de mudanças climáticas globais.

"É preciso estabelecer uma rede de monitoramento contínuo, com séries temporais de 20 anos, por exemplo, para avaliar como o aumento da urbanização e o uso de fertilizantes nitrogenados em larga escala têm impactado os ecossistemas na América Latina e nos países do BRICS", disse Tibisay Pérez, professora do Centro de Ciências Atmosféricas e Biogeoquímica do Instituto Venezuelano de Investigações Científicas (IVIC).

"Com isso, seria possível estabelecer políticas públicas mais direcionadas às necessidades dos países desses dois blocos", avaliou Pérez.

De acordo com a pesquisadora, os países-membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), por exemplo, onde já existe esse monitoramento, atingiram o limite máximo de uso de fertilizantes nitrogenados em sua agricultura.

Por meio de uma combinação de tecnologias com políticas públicas, como o fim dos subsídios à produção de fertilizantes na década de 1990, os países da União Europeia - onde cerca de 60% das emissões de nitrogênio reativo são provenientes da agricultura - conseguiram reduzir suas emissões de óxido de nitrogênio em 49% em 2009 em comparação com 1990, segundo dados apresentados por Jan Willem Erisman, professor da Vrije Universiteit Amsterdam, da Holanda, durante o evento.

Atualmente, os países europeus têm discutido estratégias para diminuir as emissões de nitrogênio reativo e vêm trabalhando com conceitos como o de "pegada de nitrogênio" - a quantidade de nitrogênio reativo liberada para o meio ambiente como resultado do consumo de recursos como alimentos e combustíveis fósseis.

Já os países do BRICS e da América Latina, os maiores usuários atualmente de fertilizantes nitrogenados, passam por um processo de urbanização descontrolado, que tem impacto no aumento das emissões de nitrogênio reativo pela queima de combustíveis fósseis e por efluentes nessas regiões urbanas.

Na América Latina, por exemplo, apenas 20% do esgoto doméstico é tratado e 17% da população não tem acesso a saneamento básico, apontou Jean Pierre Ometto, chefe do Centro de Ciência do Sistema Terrestre (CCST) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Como os países latino-americanos estão situados em regiões tropicais e subtropicais, que concentram hotspots de biodiversidade, seus ecossistemas podem estar fortemente ameaçados pelos impactos da deposição de nitrogênio, suspeitam os pesquisadores.

"A América Latina tem passado por um rápido processo de urbanização e de substituição de sistemas tradicionais de produção agrícola para uma agricultura mecanizada e com alto uso de fertilizantes nitrogenados, sem levar em conta a questão das emissões de nitrogênio reativo", disse Mercedes Bustamante, professora da Universidade de Brasília (UnB).

Segundo a pesquisadora, o aumento da deposição de nitrogênio reativo na atmosfera é reconhecido hoje como um dos principais fatores contribuintes para redução da diversidade de plantas em ecossistemas naturais e seminaturais por acidificar e tornar o solo tóxico, entre outros impactos.

Os dados disponíveis sobre os impactos da deposição de nitrogênio na diversidade de plantas, contudo, foram obtidos quase que exclusivamente a partir de estudos realizados no norte da Europa e na América do Norte, ponderou.

"É muito importante obter dados de regiões onde esse problema começou a aumentar recentemente ou deverá crescer em um futuro próximo, como a América Latina e os países do BRICS", apontou.

A China, por exemplo, utiliza em algumas áreas voltadas à horticultura 400 quilogramas de nitrogênio por hectare. Já o Brasil e a África do Sul costumam fertilizar culturas como o milho com 120 quilogramas por hectare.

No outro extremo, na África Subsaariana, costuma-se fertilizar culturas com 8 quilogramas por hectare, comparou Bustamante. "Enquanto há regiões no mundo onde há um excesso de uso de fertilizantes, em outras há um problema de déficit", ponderou.

"Há diferenças regionais marcantes. E os países que precisam aumentar o nível de fertilizantes nitrogenados devem evitar seguir os caminhos das nações poluidoras e buscar formas mais sustentáveis de incrementar a fertilidade do solo", apontou.

Segundo ela, essa recomendação vale também para o carbono. Os especialistas têm sugerido aos países em desenvolvimento ou menos desenvolvidos que optem por rotas de desenvolvimento de baixo carbono e não sigam a trajetória convencional de desenvolvimento.

Aliança internacional

Com base na constatação de que as emissões de nitrogênio reativo representam hoje um problema global, mas apresentam disparidades regionais, a pesquisadora e um grupo de cientistas de diversos países começaram a articular, no início dos anos 2000, a criação de uma iniciativa internacional para evidenciar o problema.

Batizada de International Initiative Nitrogen (INI), a rede global de cientistas foi fundada formalmente no início de 2003, patrocinada pelo Comitê Científico para Problemas do Ambiente (Scope, da sigla em inglês) - agência intergovernamental associada à Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) - e pelo International Geosphere-Biosphere Programme (IGBP).

A INI interage com tomadores de decisão a fim de identificar alternativas para otimizar o uso de fertilizantes nitrogenados e minimizar os efeitos negativos das emissões de nitrogênio reativo. A rede possui centros regionais na Europa, Américas do Norte e Latina, África do Sul e Leste da Ásia, contou Bustamante.

"A ideia é não só alertar os tomadores de decisão sobre os impactos ambientais, no clima e na saúde causados pelo aumento das emissões de nitrogênio reativo na atmosfera, como também chamar a atenção para a necessidade de se criar uma rede de monitoramento e estimular a realização de mais estudos em determinadas regiões do mundo, como a América Latina", explicou.

Os efeitos da deposição de nitrogênio reativo nos ecossistemas são cumulativos e ocorrem ao longo do tempo, podendo demorar décadas para se manifestarem. Além disso, os níveis críticos de deposição para diferentes biomas variam, ponderou Bustamante.

"O nível crítico para a Mata Atlântica, por exemplo, não é o mesmo para a Amazônia, o Cerrado ou a Caatinga. Por isso é necessário monitorá-los", justificou.

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