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Receptor de nicotina pode ser alvo para tratamento de inflamação pulmonar

Testes em camundongos com inflamação pulmonar aguda usaram droga que estimula um receptor nicotínico em células imunes; pesquisadores brasileiros aferiram reversão do quadro inflamatório

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Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo

Carla Máximo Prado, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo

image: Carla Maximo Prado, scientist from the Health & Society Institute of the Federal University of São Paulo (UNIFESP) and principal investigator of the study. view more 

Credit: Agencia FAPESP

Já está comprovado que o hábito de fumar pode causar enfermidades graves, como enfisema e câncer. Um novo estudo, porém, revelou que estimular farmacologicamente um tipo específico de receptor nicotínico em células do sistema imune pode ser uma estratégia para tratar doenças pulmonares inflamatórias.

"Em testes com animais, a estimulação específica dos receptores nicotínicos do subtipo alfa-7 por uma droga experimental chamada PNU-282987 reduziu a inflamação em um quadro alérgico crônico, semelhante ao da asma, e em um modelo de inflamação pulmonar semelhante à Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo (SDRA), insuficiência respiratória causada principalmente pelo acúmulo de líquido nos pulmões, normalmente associada a um processo infeccioso", contou Carla Prado, pesquisadora responsável de investigação da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), no Brasil, que conta com apoio da FAPESP (http://www.bv.fapesp.br/pt/auxilios/92434).

O efeito terapêutico está associado à ativação deste subtipo de receptores em macrófagos - as células que formam a linha de frente do sistema imunológico e são responsáveis por desencadear a resposta inflamatória diante de uma potencial ameaça. Testes demonstraram que camundongos com inflamação pulmonar induzida tiveram uma melhora da função respiratória. Isso se deve ao fato de apresentarem, após a ministração da droga, uma quantidade maior de macrófagos que agem na reparação dos tecidos, em detrimento do tipo de células responsáveis pela liberação de moléculas pró-inflamatórias.

Acetilcolina: de vilão a componente-chave

Como explicou a pesquisadora, tanto os receptores nicotínicos quanto outro grupo de receptores celulares conhecidos como muscarínicos fazem parte do chamado sistema colinérgico. Trata-se de um ramo do sistema nervoso cujo principal neurotransmissor é a acetilcolina - conhecida, inicialmente, por sua ação broncoconstritora no pulmão, ou seja, de fechamento das vias aéreas. Diversos medicamentos para o tratamento da asma e da doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) têm como princípio ativo substâncias que impedem a acetilcolina de se ligar aos receptores muscarínicos.

Entretanto, em um estudo anterior em colaboração com cientistas da University of Western Ontario, no Canadá, o grupo da Unifesp observou que camundongos geneticamente modificados para não expressar uma proteína chamada VAChT - que atua como transportadora de acetilcolina e, portanto, possibilita sua liberação na região da sinapse - apresentam uma resposta inflamatória exacerbada no pulmão mesmo sem qualquer tipo de doença ou alergia.

Segundo Prado, os estudos sugerem que a acetilcolina teria um efeito protetor para o pulmão, relacionado à ativação dos receptores nicotínicos.

"Esses animais têm uma redução de 75% na liberação de acetilcolina e, como consequência, sofrem um processo de inflamação e de remodelamento das vias aéreas semelhantes ao de portadores de asma. Apresentam ainda alteração nas vias de sinalização celular envolvidas na resposta inflamatória pulmonar", disse.

A partir desses achados, o grupo da Unifesp decidiu testar a hipótese de que estimular o sistema colinérgico com uma droga capaz de se ligar ao tipo específico dos receptores nicotínicos poderia amenizar quadros inflamatórios no pulmão de animais sem a modificação genética.

Reação mais regenerativa e menos inflamatória

Os primeiros testes foram feitos em um modelo clássico de lesão pulmonar aguda. Para induzir um quadro semelhante ao da SDRA, os pesquisadores injetam na traqueia de camundongos uma toxina extraída da membrana de bactérias gram-negativas - o lipopolissacarídeo bacteriano (LPS).

"Em uma parte dos animais, fizemos um tratamento com PNU-282987, composto que estimula o receptor nicotínico alfa-7, cerca de 30 minutos antes de injetar o LPS. Em outro grupo, o tratamento foi feito seis horas após a injeção, quando a inflamação atinge seu auge. Nos dois casos, observamos uma redução significativa da inflamação em comparação aos roedores não tratados", contou Prado.

Além de diminuir o edema pulmonar (o inchaço do órgão), a terapia diminuiu a liberação, por células imunes, de moléculas pró-inflamatórias, como interleucina-1-beta (IL-1β), fator de necrose tumoral alfa (TNF-α) e interleucina-6 (IL-6). Ao analisar o lavado broncoalveolar (instilação seguida de aspiração de soro fisiológico no pulmão), o grupo notou uma redução na presença de células imunes, particularmente neutrófilos e macrófagos.

"Também avaliamos o efeito desta droga em macrófagos isolados de pulmão e observamos que a porcentagem do tipo M-1, que tem um perfil pró-inflamatório, estava reduzida. Ao mesmo tempo, estava aumentada a porcentagem de macrófagos M-2, tipo mais relacionado à reparação de tecidos lesionados. Associado a isso, houve melhora da função pulmonar nos animais tratados", explicou Prado.

Por último, os pesquisadores observaram no tecido pulmonar que o tratamento reduziu a ativação da proteína NF-kB - um fator de transcrição que estimula a produção de moléculas inflamatórias pelas células do sistema imune.

Como contou Prado, o tratamento também surtiu efeito positivo no modelo de inflamação crônica, no qual foi adotado um método clássico de indução da asma. O procedimento consiste em sensibilizar o sistema imune dos roedores com duas injeções da proteína ovoalbumina - um dos principais componentes da clara do ovo - associada a uma substância adjuvante, que potencializa resposta imune a esse antígeno. Depois de 21 dias, a mesma proteína - contra a qual o sistema imune dos animais já desenvolveu anticorpos - é inalada em quatro diferentes momentos.

"Nesse modelo, o animal desenvolve uma resposta inflamatória crônica que acaba levando a um remodelamento das vias aéreas. Ocorre a deposição de colágeno nas vias aéreas, além da hipertrofia das células produtoras de muco e das células da musculatura lisa. Tudo isso associado à resposta inflamatória crônica acaba resultando em perda de função pulmonar", explicou Prado.

Parte dos camundongos recebeu o tratamento com PNU-282987 a partir do 21º após a primeira injeção de ovoalbumina - ao mesmo tempo em que começaram os desafios inalatórios com o antígeno. O tratamento foi feito por injeção na barriga durante sete dias.

"Observamos uma redução no processo de remodelamento pulmonar e redução, no lavado broncoalveolar, da presença de eosinófilos - principal tipo de célula imune associada à asma", contou Prado.

Esses experimentos fazem parte do projeto de doutorado da aluna Cláudia Pontes.

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