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Pesquisa melhora enzima que degrada plástico

Brasileiros participam de trabalho internacional para aumentar a capacidade da PETase de decompor o polietileno tereftalato (PET), utilizado em garrafas e responsável pela produção anual de milhões de toneladas de lixo

Peer-Reviewed Publication

Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo

PETase

image: PETase is shown in blue, with PET chain (yellow) bound to active site, where it will be degraded. view more 

Credit: Rodrigo Leandro Silveira

Desde que foi descoberta, a enzima denominada PETase vem suscitando grande interesse científico por sua capacidade de digerir o polietileno tereftalato (PET).

O PET, polímero usado principalmente na produção de embalagens (mas também de roupas, tapetes e outros objetos), é apreciado pela indústria pelo mesmo motivo que o transforma em uma ameaça ao meio ambiente: a resistência à degradação. Ao ser descartada, uma garrafa PET (polietileno tereftalato) pode permanecer no meio ambiente por 800 anos. A cada ano, são lançadas de 4,8 a 12,7 bilhões de quilos de plástico nos oceanos.

Uma pesquisa com resultados publicados recentemente na Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America (PNAS) descreve como uma colaboração internacional conseguiu incrementar a capacidade da PETase em degradar o plástico.

"Em nossa pesquisa, caracterizamos a estrutura tridimensional da enzima capaz de digerir esse plástico, a engenheiramos, aumentando seu poder de degradação, e demonstramos que ela é também ativa em polietileno-2,5-furanodicarboxilato (PEF), um substituto do PET fabricado a partir de matérias-primas renováveis", disse o brasileiro Rodrigo Leandro Silveira, um pós-doutorando do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (IQ-Unicamp) apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, e co-autor do artigo.

Também assinam o artigo cientistas da University of Portsmouth (Reino Unido) e da National Renewable Energy Laboratory (Estados Unidos) que colaboraram na pesquisa, bem como o orientador de Silveira, Munir Salomão Skaf . Professor titular e pró-reitor de Pesquisa da Unicamp, Skaf também coordena o Centro de Pesquisa em Engenharia e Ciências Computacionais - um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) da FAPESP - que também proveu financiamento à pesquisa.

Bactéria que sobrevive metabolizando PET

O interesse pela PETase surgiu em 2016, quando um grupo de pesquisadores japoneses, tendo à frente Shosuke Yoshida, identificou uma nova espécie de bactéria, Ideonella sakaiensis, capaz de usar o polietileno tereftalato como fonte de carbono e energia - em outras palavras, capaz de se alimentar de PET. Trata-se, até hoje, do único organismo conhecido com essa capacidade. Ele, literalmente, cresce sobre o PET.

"Além de identificar a Ideonella sakaiensis, os japoneses descobriram que ela produzia duas enzimas que são secretadas para o meio ambiente. Uma das enzimas secretadas era justamente a PETase. Por ter certo grau de cristalinidade, o PET é um polímero muito difícil de ser degradado. Mas a PETase o ataca e o decompõe em pequenas unidades - o ácido mono(2-hidroxietil)tereftálico (MHET). As unidades de MHET são então convertidas em ácido tereftálico e absorvidas e metabolizadas pela bactéria", disse Silveira.

A Ideonella sakaiensis, é o único ser vivo conhecido que, no lugar de biomoléculas, consegue utilizar uma molécula sintética - fabricada pelo ser humano - para sobreviver. Isso significa que tal bactéria é resultado de um processo evolutivo muito recente: ela conseguiu se adaptar a um polímero que foi desenvolvido no início dos anos 1940 e só começou a ser utilizado em escala industrial nos anos 1970. Para isso, a PETase é a peça-chave.

"A PETase faz a parte mais difícil, que é romper a estrutura cristalina e despolimerizar o PET em MHET. O trabalho da segunda enzima, que transforma MHET em ácido tereftálico, já é bem mais simples, uma vez que seu substrato é formado por monômeros aos quais a enzima tem fácil acesso por estarem dispersos no meio reacional. Por isso, os estudos se concentraram na PETase", disse o pesquisador apoiado pela FAPESP.

Enzima modificada se liga melhor ao polímero

A etapa seguinte foi estudar detalhadamente a PETase e nisso consistiu a contribuição da nova pesquisa. "Nosso foco foi descobrir o que conferia à PETase a capacidade de fazer algo que as demais enzimas não eram capazes de fazer com muita eficiência. Para isso, o primeiro passo foi obter a estrutura tridimensional dessa proteína", disse.

"Obter a estrutura tridimensional significa descobrir as coordenadas x, y e z de cada um dos milhares de átomos que constituem a macromolécula. Nossos colegas britânicos fizeram esse trabalho por meio de uma técnica bastante conhecida e utilizada, chamada difração de raio X", explicou.

Obtida a estrutura tridimensional, os pesquisadores começaram a comparar a PETase com proteínas aparentadas. A mais parecida é uma cutinase da bactéria Thermobifida fusca, que degrada a cutina, uma espécie de verniz natural que recobre as folhas das plantas. Certos microrganismos patogênicos utilizam cutinases para romper a barreira de cutina e se apropriar dos nutrientes presentes nas folhas.

"Verificamos que, na região da enzima onde ocorrem as reações químicas, o chamado 'sítio ativo', a PETase apresentava algumas diferenças em relação à cutinase. Ela possui um sítio ativo mais aberto. Por meio de simulações computacionais - e essa foi a parte em que mais contribuí -, pudemos estudar os movimentos moleculares da enzima. Enquanto a estrutura cristalográfica, obtida por difração de raio X, fornece informações estáticas, as simulações possibilitam ter informações dinâmicas, e descobrir o papel específico de cada aminoácido no processo de degradação do PET", explicou o pesquisador do IQ-Unicamp.

A física dos movimentos da molécula resulta das atrações e repulsões eletrostáticas do enorme conjunto de átomos e da temperatura. As simulações computacionais permitiram entender melhor como a PETase se liga e interage com o PET.

"Descobrimos que a PETase e a cutinase têm dois aminoácidos diferentes no sítio ativo. Por meio de procedimentos de biologia molecular, produzimos então mutações na PETase, com o objetivo de transformá-la em cutinase", disse Silveira.

"Se conseguíssemos fazer isso, mostraríamos por que a PETase é PETase, isto é, saberíamos quais são os componentes que lhe conferem a propriedade tão peculiar de degradar o PET. Mas, para nossa surpresa, ao tentar suprimir a atividade peculiar da PETase, isto é, ao tentar transformar a PETase em cutinase, produzimos uma PETase ainda mais ativa. Buscávamos reduzir a atividade e, em vez disso, a aumentamos", disse.

Isso demandou novos estudos computacionais, para entender por que a PETase mutante era melhor do que PETase original. Com a modelagem e as simulações, foi possível perceber que as alterações produzidas na PETase favorecem o acoplamento da enzima com o substrato.

A enzima modificada se liga melhor ao polímero. Esse acoplamento depende de fatores geométricos, ou seja, do encaixe do tipo "chave e fechadura" entre as duas moléculas. Mas também de fatores termodinâmicos, ou seja, das interações entre os diversos componentes da enzima e do polímero. A maneira elegante de descrever isso é dizer que a PETase modificada apresenta "maior afinidade" pelo substrato.

Com vistas à aplicação, o próximo passo é passar da escala de laboratório para a industrial. Para isso, outros estudos, relacionados com engenharia de reatores, otimização dos processos e diminuição de custos serão necessários.

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