Apesar dos esforços internacionais em melhoramento, dos avanços na agronomia e no manejo eficaz de pragas e doenças que acometem a cana-de-açúcar, a cultura agrícola tem apresentado limitação de desenvolvimento do colmo. Essa limitação física do caule da planta tem contribuído para restringir o teor de sacarose e de biomassa possíveis de serem obtidos dela para produção de açúcar e de etanol de segunda geração - 2G (ou celulósico), apontam especialistas na área.
"Quebrar essa limitação de desenvolvimento da cana-de-açúcar de forma substancial pelo melhoramento convencional da cultura [por cruzamento de variedades] tem sido difícil", disse Marcelo Menossi, professor do Departamento de Genética, Evolução e Bioagentes do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (IB-Unicamp), no Brasil.
Menossi, em colaboração com estudantes de pós-graduação orientados por ele e colegas do Laboratório Nacional de Ciência e Biotecnologia do Bioetanol (CTBE, na sigla em inglês), do Sugar Research Australia e da Martin Luther University Halle-Wittenberg, da Alemanha, descobriu que a resposta para transpor a barreira da limitação de rendimento da cana pode estar em um gene chamado ScGAI.
Em estudo feito durante um projeto vinculado ao BIOEN, o Programa de Pesquisa em Bioenergia da FAPESP - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, eles constataram que o ScGAI é um regulador molecular chave do crescimento e desenvolvimento da cana.
Ao manipular a atividade desse gene em linhagens transgênicas de cana, desenvolvidas na Austrália, foi possível aumentar substancialmente o colmo e causar mudanças na alocação de carbono para moléculas estruturais e de armazenamento do cultivar, revelaram os pesquisadores em um artigo publicado no Journal of Experimental Botany.
"A cana da qual alteramos a expressão do gene ScGAI se desenvolveu muito mais rapidamente. Isso abre a perspectiva de desenvolver uma variedade de cana-energia que amadureça mais rápido e aumente a produção de biomassa por unidade de tempo", disse Menossi.
A descoberta foi derivada do trabalho de doutorado de Rafael Garcia Tavares, feito no IB-Unicamp sob orientação de Menossi com Bolsa da FAPESP.
Durante o estudo, observou-se que o gene ScGAI medeia a regulação de alguns hormônios de crescimento de plantas comumente usados em lavouras de cana, como o etileno e as giberelinas.
Usadas em larga escala para melhorar o crescimento e o rendimento de muitas culturas hortícolas e agrícolas, as giberelinas aceleram o amadurecimento da cana ao desencadear a rápida degradação das proteínas DELLA e impedir que interajam e degradem outras proteínas que estimulam o crescimento da planta.
"O etileno costuma ser aplicado nos canaviais na fase de maturação da cana, quando o agricultor não quer que a planta continue crescendo e acumulando folhas, mas só continue acumulando sacarose. Ao contrário das giberelinas, ele estabiliza a proteína DELLA e permite que ela interaja e degrade outras proteínas promotoras de crescimento", explicou Menossi. "Esse papel da proteína DELLA como reguladora de crescimento da cana-de-açúcar, porém, ainda não estava muito claro."
Patenteamento do método de manipulação
A fim de compreender melhor o papel da proteína DELLA como reguladora de crescimento da cana-de-açúcar - especialmente no desenvolvimento do colmo -, os pesquisadores fizeram um experimento em que alteraram a expressão do gene ScGAI em linhagens de uma variedade de cana transgênica australiana.
Em algumas linhagens da cana transgênica o gene ScGAI foi silenciado de modo a diminuir a produção de proteína DELLA e impedir que ela interagisse e degradasse outras proteínas importantes para o desenvolvimento da planta.
Em outras linhagens transgênicas da planta permitiu-se que o gene fosse superexpresso com o objetivo de aumentar a produção de DELLA e estabilizá-la, de modo a permitir que interagisse e degradasse outras proteínas promotoras de crescimento.
As análises da comparação do crescimento das plantas após quatro meses apontaram que as linhagens transgênicas de cana-de-açúcar com superexpressão do gene ScGAI apresentaram crescimento atrofiado, internódios (gomos) mais curtos e metabolismo energético prejudicado.
Já as plantas cujo gene foi silenciado eram mais altas, tiveram rápido alongamento dos internódios, maior produção de fitômeros - unidade que compreende um nódulo e um entrenó, suas gemas axilares e folhas anexas - e maior alocação de carbono para o caule.
"O estudo mostrou claramente que o gene ScGAI é um componente fundamental para o desenvolvimento da cana e pode ser um alvo de manipulação genética de modo a permitir interferir na velocidade de crescimento e desenvolvimento da planta pela regulação da proteína DELLA", apontou o coordenador do projeto de pesquisa FAPESP.
Os pesquisadores iniciaram o processo de patenteamento do método de manipulação do gene ScGAI para diminuir a quantidade de proteína DELLA na cana-de-açúcar e possibilitar que a planta se desenvolva mais rápido. A tecnologia já despertou o interesse de duas empresas.
"O próximo passo da pesquisa é realizar ensaios em campo para verificar se conseguimos obter os mesmos resultados que tivemos com o cultivo das linhagens transgênicas com o gene manipulado em casa de vegetação", disse Menossi.
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Journal of Experimental Botany