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Estudo sugere diferença estrutural no cérebro de pessoas trans

Publicado na Scientific Reports, trabalho feito no Brasil com imagens de ressonância magnética indica em mulheres trans variações em uma região cerebral chamada ínsula, relacionada a percepções corpor

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Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo

Pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), no Brasil, realizaram o primeiro estudo feito na América Latina que investigou volumes cerebrais de indivíduos transgêneros por meio de imagens de ressonância magnética.

O estudo fez uma análise estrutural para investigar diferenças de volume da substância branca e cinzenta, a partir de imagens de ressonância dos cérebros de 80 voluntários, entre 18 e 49 anos, divididos em quatro grupos: 20 mulheres cisgêneras, 20 homens cisgêneros, 20 mulheres transgêneras ou mulheres trans que nunca haviam feito uso de hormônios e 20 mulheres trans em uso de hormônios há pelo menos um ano.

Os resultados indicaram nos dois grupos de mulheres trans uma variação no tamanho em uma área cerebral chamada ínsula, em ambos os hemisférios cerebrais.

A ínsula é uma região muito importante para a percepção do próprio corpo, entre outros fatores. Isso porque essas percepções - inclusive sensações corporais internas e sensações viscerais - são mapeadas no sistema nervoso central pela ínsula.

"Seria simplista fazer uma relação direta com a transgeneridade, mas é relevante termos encontrado uma diferença na ínsula de pessoas trans, que têm muitas questões relacionadas à percepção corporal por não se identificarem com o gênero atribuído ao sexo de nascimento e, além do mais, infelizmente, sofrem muito preconceito", disse o professor Geraldo Busatto, coordenador do Laboratório de Neuroimagem em Psiquiatria (LIM21) do Hospital das Clínicas da FMUSP e coorientador do estudo.

O trabalho, que teve apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP, foi publicado na revista Scientific Reports.

Uma importante contribuição da pesquisa é demonstrar que a transexualidade "não implica só uma questão de comportamento que a pessoa desenvolve", segundo Carmita Abdo, coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade (ProSex) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas e também orientadora do estudo.

"Observamos que há especificidades cerebrais nos indivíduos trans, achado importante, frente à ideia de ideologia de gênero. Vai sendo demonstrado que não se trata de uma questão de prática ideológica. Pelo que constatamos, por meio das imagens por ressonância, uma base estrutural é detectável", disse.

Como ambos os grupos de mulheres trans apresentaram variação nesta estrutura, parece ser uma característica das mulheres trans. Outra conclusão do estudo é que não foi o tratamento hormonal que se mostrou relacionado ao volume diminuído da ínsula.

Estudos anteriores observaram que, nos indivíduos transgêneros, a diferenciação sexual do cérebro não acompanha o resto do corpo. "Estamos vendo que as pessoas trans têm características que as aproximam do gênero com que se identificam e seus cérebros têm particularidades, sugerindo que as diferenças começam a ocorrer durante o período gestacional", declarou Giancarlo Spizzirri, primeiro autor do artigo.

Avaliando os resultados

No estudo, o tamanho da ínsula não se apresentou diminuído em relação aos homens cisgêneros, mas sim em relação às mulheres cis.

Os pesquisadores argumentam que o menor volume de substância cinzenta em uma área do cérebro não significa necessariamente que a mesma exibe um menor número de células nervosas.

"As diversas regiões de substância cinzenta cerebral apresentam uma massa de sinapses e de terminações nervosas (denominada neurópilo) que pode mudar de volume dinamicamente; por exemplo, em algum momento da vida o aumento de densidade de uma região cerebral pode ser o reflexo de mais atividade, acarretando um aumento sutil de volume de substância cinzenta local", disse Busatto.

De qualquer forma, Busatto ressalta que não se pode afirmar especificidade para o achado. "A ínsula é uma região com múltiplos elementos", disse.

Spizzirri frisou ser importante ter em mente que não existe algo como "um cérebro tipicamente feminino ou masculino". "O que ocorre são ligeiras diferenças estruturais, muito mais sutis do que a diferença das genitálias, por exemplo. Há também uma grande variação individual nas estruturas cerebrais", notou.

Nova área de pesquisa

A expectativa é que o estudo estimule o interesse e a inclusão de pessoas transgêneros em pesquisa de estruturas cerebrais. Isso porque, embora a aplicação de métodos de ressonância magnética para estudos estruturais em psiquiatria e neurologia tenha se desenvolvido nas últimas décadas, principalmente em função dos avanços tecnológicos e na capacidade de análise de dados, ainda são poucos aqueles voltados para as pessoas trans.

"É uma nova área de pesquisa e, com este estudo, o Brasil coloca-se entre os pioneiros. Por outro lado, desde 1997 nosso Conselho Federal de Medicina orienta como trabalhar com as necessidades dos indivíduos trans no plano clínico e cirúrgico, atualizando e adequando periodicamente esta normatização, em resposta aos novos conhecimentos ", disse Abdo.

"Esperamos que esse estudo seja replicado com amostras maiores, mas já se pode afirmar que essa hipótese do desenvolvimento da transgeneridade encontra respaldo e merece ser mais investigada", complementa a pesquisadora.

O grupo de pesquisadores pretende desenvolver mais estudos, inclusive para situar em que ponto do desenvolvimento ocorrem as diferenças. "Uma vez que detectamos essas diferenças, a pergunta é: a partir de quando elas se instalam? Interessa, entre outros aspectos, pesquisar imagens cerebrais de crianças e jovens que manifestam características trans e comparar com aquelas das mulheres trans adultas", disse Abdo.

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