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Estudo investiga hábitos reprodutivos do fungo causador do pé de atleta

Análises genômicas sugerem que reprodução assexuada é a regra entre os indivíduos da espécie Trichophyton rubrum; para autores, tal fato deve ser considerado no desenvolvimento de novos fármacos

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Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo

Os hábitos sexuais do Trichophyton rubrum - fungo causador do pé de atleta e de outros tipos de micose de pele e de unha - foram tema de uma pesquisa publicada (http://www.genetics.org/content/208/4/1657) por cientistas brasileiros e colaboradores internacionais na revista Genetics.

Resultados da investigação sugerem que a reprodução assexuada é a regra na espécie, ou seja, o acasalamento entre os indivíduos não é comum e, se eventualmente acontece, requer condições muito específicas. Como consequência, a variabilidade genética da população é pequena - mesmo comparando isolados de diferentes partes do mundo.

"Podemos concluir que se trata de uma população clonal, isto é, praticamente não existe cruzamento entre os indivíduos. Desse modo, são geradas poucas variações no genoma", contou Gabriela Felix Persinoti, primeira autora do trabalho, realizado com apoio (http://www.bv.fapesp.br/pt/bolsas/141171) da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP durante seu pós-doutorado.

Como explicou Nilce Martinez-Rossi, supervisora da pesquisa e professora da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), no Brasil, entender como esses fungos se reproduzem é um conhecimento de ciência básica, mas sem o qual não se consegue avançar em termos de pesquisa aplicada.

"A variabilidade genética é um fator a ser considerado, por exemplo, quando se está desenvolvendo uma nova droga, pois pode indicar o risco de o patógeno desenvolver resistência ao tratamento", comentou.

Sabe-se que quanto maior é a variabilidade genética entre os indivíduos de uma determinada espécie, maior é a chance de eles se adaptarem e sobreviverem a situações adversas.

O trabalho de Persinoti integra uma das linhas de pesquisa coordenadas por Martinez-Rossi na USP, cujo objetivo é compreender como os fungos dermatófitos - capazes de causar infecções em pele, pelos e unhas de animais e de humanos - interagem com seus hospedeiros. A outra linha coordenada pela pesquisadora busca entender os mecanismos de resistência a fármacos desse mesmo grupo de microrganismos.

Segundo Martinez-Rossi, o T. rubrum é uma espécie de dermatófito que infecta exclusivamente humanos. Em geral, trata-se de uma infecção crônica e superficial, pois o fungo alimenta-se da queratina presente na pele e na unha. Causam desconforto, coceira e danos estruturais às unhas, acarretando uma diminuição na qualidade de vida dos indivíduos acometidos. Em raros casos, geralmente associados a baixa imunidade, a infecção pode se disseminar pelo organismo e se tornar uma ameaça à vida do paciente.

"Buscamos desvendar os mecanismos moleculares de patogenicidade desses dermatófitos, ou seja, entender como eles causam a infecção. Revelar as "armas" que estes fungos utilizam durante o processo infeccioso auxilia no desenvolvimento de fármacos para combatê-los", disse Martinez-Rossi.

A investigação foi realizada por Persinoti no laboratório de Christina Cuomo, do Broad Institute - órgão vinculado ao Massachusetts Institute of Technology (MIT) e à Harvard University, no Estados Unidos -, durante estágio no exterior (http://www.bv.fapesp.br/pt/bolsas/146953) financiado pela FAPESP.

Análises genômicas

Como explicaram os autores no artigo, a espécie Trichophyton rubrum é, na verdade, um complexo que pode ser subdividido em diferentes morfotipos. São fungos muito parecidos, mas que apresentam pequenas variações de cor, de estrutura ou dos compostos produzidos.

Em uma primeira etapa da pesquisa, Persinoti e colaboradores analisaram a variabilidade genética de 100 morfotipos isolados em diversas partes do mundo com um método conhecido como Multi Locus Sequence Typing (MLST), que não avalia o genoma inteiro e sim alguns pontos-chave específicos.

"Para complementar a pesquisa, 12 isolados foram submetidos ao sequenciamento completo do genoma", contou a pesquisadora apoiada pela FAPESP.

Esta amostra analisada mais profundamente foi composta por 10 morfotipos de T. rubrum e outros dois isolados da espécie T. interdigitale, também capaz de infectar humanos (mas não exclusivamente) e para a qual ainda não havia nenhum genoma descrito.

Após o sequenciamento, o grupo se concentrou na análise de uma região do genoma conhecida como mating type (MAT, que em inglês significa tipos de acasalamento). Para que possa ocorrer o cruzamento entre indivíduos, eles precisam apresentar MATs complementares - um deles precisa ter o MAT do tipo 1 e, o outro, o MAT do tipo 2, por exemplo.

O acasalamento já foi observado em alguns dermatófitos em estudos de outros grupos, mas até hoje nunca foi observado em T. rubrum.

"Ao avaliarmos essa região do genoma, notamos que quase todos os morfotipos de T. rubrum apresentavam MAT do tipo 1. Somente um deles apresentava o tipo 2", disse Persinoti.

Embora tenham tentado nos experimentos feitos em laboratório, os cientistas não conseguiram fazer o isolado com MAT do tipo 2 se reproduzir sexuadamente com outros indivíduos do tipo 1.

"Isso nos leva a concluir que, muito provavelmente, a reprodução sexuada nessa espécie não acontece. Ou, para acontecer, requer uma condição muito específica", disse.

A conclusão foi reforçada por análises complementares da pesquisa financiada pela FAPESP, que apontaram para um índice de similaridade superior a 99% no genoma dos indivíduos analisados.

De acordo com a pesquisadora, porém, os genes necessários para a reprodução sexuada encontrados em outros dermatófitos ainda estão presentes no T. rubrum. Tal fato sugere que a transição para o modo de reprodução assexuada é um evento recente na espécie - possivelmente associado à especialização desse fungo em infectar humanos.

"Fizemos uma série de comparações filogenéticas entre os diferentes morfotipos e os resultados permitirão que seja feita uma delimitação mais correta das espécies. Um dos morfotipos, conhecido como soudanense, se mostrou divergente dos demais e pode vir a ser considerado uma espécie separada", contou Persinoti.

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O artigo "Whole-Genome Analysis Illustrates Global Clonal Population Structure of the Ubiquitous Dermatophyte Pathogen Trichophyton rubrum", de Gabriela F. Persinoti, Diego A. Martinez, et. al., pode ser lido em: http://www.genetics.org/content/208/4/1657.

Sobre a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP)

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