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Estudo brasileiro anuncia descoberta de seis novas espécies do tamanduaí

Trabalho empregou análise genética e de morfometria geométrica para cravar a existência de ao menos 7 espécies destes esquivos xenartras das Américas do Sul e Central, até então reunidos sob uma &

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Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo

The Silky Anteater

image: The silky anteater is found in tropical forests in South and Central America, as well as in the few remaining fragments of Atlantic rainforest in Northeast Brazil. view more 

Credit: Flavia Miranda

Desde a descrição pioneira feita em 1758 pelo pai da taxonomia, o naturalista sueco Carl Nilsson Linnaeus (1707-1778), pensava-se existir apenas uma espécie do tamanduaí, um tamanduá pigmeu de rosto curto que ficaria conhecido pelo nome científico Cyclopes didactyla após ser incluído na 10ª edição do Systema Naturae, obra magna de Linnaeus que descreveu 4,2 mil espécies animais. O animal é encontrado em florestas tropicais do norte da América do Sul e da América Central e também nas poucas manchas que restam da Mata Atlântica do Nordeste brasileiro.

Do século 18 para cá, foram descobertas outras seis populações de tamanduaís espalhadas por todo este território - no entanto, como os espécimes coletados eram aparentemente idênticos, convencionou-se por classificá-los como subespécies de C. didactyla, pois não apresentariam diferenciações morfológicas suficientes entre si.

No entanto, um grupo de taxonomistas, zoólogos e geneticistas brasileiros afirma que são pelo menos sete as espécies de tamanduaí, após a realização de um trabalho que estudou a biologia e a ecologia das novas espécies e sequenciou o DNA nuclear e o DNA mitocondrial de 287 espécimes. Um artigo publicado no Zoological Journal of the Linnean Society apresenta os resultados da pesquisa, que contou com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de São Paulo (FAPESP) - Bolsa Estágio de Pesquisa no Exterior e Bolsa de Doutorado -, da Fundação Boticário, do Wildlife Conservation Society, da Fapemig, Capes e do CNPq.

Tamanduaís: uma presença esquiva

Entre os cientistas ligados à Universidade de São Paulo (USP) e à Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) envolvidos na pesquisa está a veterinária Flávia Miranda, doutoranda em Zoologia pela UFMG que trabalha com a ordem Xenarthra há mais de 20 anos e dirige o Projeto Tamanduá, voltado à conservação de preguiças, tamanduás e tatus.

Foi na condição de especialista em xenartros que Miranda participou, em 2005, de uma reunião da União Internacional para Conservação da Natureza, onde se pretendia verificar o status da espécie C. didactyla, com vistas à conservação. Uma das questões levantadas foi que há anos não havia relatos de avistamentos da população de tamanduaís no Nordeste do Brasil.

Decidida a constatar a presença de tamanduaís in loco, Miranda passou os últimos 10 anos organizando e empreendendo expedições a todas as regiões brasileiras onde havia relatos de tamanduaís. Foram 10 expedições: a Santa Isabel do rio Negro, no estado de Amazonas, a Oriximiná (Pará), ao delta do rio Parnaíba, no estado de Piauí, aos estados de Maranhão e Amapá e ao Suriname, entre outros locais.

"O trabalho de localização dos animais na mata foi sempre muito difícil. Imagine um bichinho de apenas 250 gramas, que vive na copa de grandes árvores em zonas alagadas como igarapés, igapós e mangues, que quase não desce ao solo, não vocaliza em momento algum e só é ativo à noite. Demorei dois anos de campo extensivo até conseguir fazer o primeiro avistamento", disse.

Análise de DNA reconstrói especiação em Cyclopes

Miranda realizou ao todo 17 coletas no Brasil e Suriname. Uma vez feita a captura, os espécimes eram medidos, fotografados e amostras de sangue coletadas para estudo molecular. Foram registrados o sexo e a localização geográfica. A idade foi determinada a partir da massa corporal, da densidade e do tamanho do pelo. Paralelamente, foram coletados dados morfológicos e morfométricos de 20 coleções de história natural em diversos países.

A análise do DNA mitocondrial e do DNA nuclear dos tamanduaís não deixou dúvidas quanto à existência de diversas espécies para o gênero Cyclopes, suportadas pelas diferenciações morfológicas, morfométricas e pela localização geográfica.

As descobertas mais surpreendentes vieram do relógio molecular, uma técnica de biologia molecular que relaciona o tempo de divergência entre duas espécies com o número de diferenças moleculares em seu DNA.

O relógio molecular revelou que a separação das diversas espécies de tamanduaís não tem nada de recente. Ao contrário, é muito antiga. Os autores estimam que o grupo Cyclopedidae dos tamanduaís divergiu do restante dos tamanduás (que deu origem ao tamanduá-bandeira e ao tamanduá-mirim) no Oligoceno inferior, há 30 milhões de anos.

A evidência molecular sugere que a primeira divergência dentro do gênero Cyclopes se deu há 10,3 milhões de anos, no Mioceno superior. Foi quando se separaram os ancestrais das linhagens encontradas no oeste do estado de Amazonas, nos estados de Acre e Rondônia e na Amazônia peruana.

Tal diversificação estaria ligada à alteração do curso do Amazonas, que corria no sentido leste-oeste, mas inverteu de sentido há cerca de 10 milhões de anos em função da elevação dos Andes. Nesta época se formou um imenso pantanal no oeste da Amazônia.

Há 7 milhões de anos o grande pântano desapareceu, isolando naquela região os ancestrais de duas novas espécies agora descritas, Cyclopes rufus e Cyclopes thomasi. Já essas, eventualmente, se diferenciaram há 3,4 milhões de anos, devido à formação das bacias dos rios Purus e Madeira, que formaram barreiras biogeográficas isolando as duas populações. A espécie boliviana Cyclopes catellus pode ser oriunda dos mesmos eventos.

Há cerca de 5,8 milhões de anos, ocorreu no oeste da Amazônia e no Equador a divergência da linhagem de Cyclopes ida. Há 4,6 milhões de anos, foi a vez do surgimento da linhagem de Cyclopes xinguensis, que permaneceu restrita à área do rio Xingu.

Há 3 milhões de anos, com a contínua elevação da barreira andina, deu-se a separação da linhagem mesoamericana Cyclopes dorsalis de seus parentes na América do Sul.

Já a linhagem de Cyclopes didactylus, a espécie original descrita por Lineu, que habita a margem esquerda do rio Amazonas (e a bacia do Negro), o Amapá, o Pará e o nordeste brasileiro de Maranhão até Alagoas (além da Venezuela e de Suriname), divergiu há cerca de 2,3 milhões de anos, com o advento das primeiras glaciações do período Pleistoceno.

Tantos milhões de anos de separação entre as espécies de tamanduaís seriam mais do que suficientes para que elas acumulassem diversas modificações. Mas não foi o que ocorreu. Ao longo de sua história evolutiva, o gênero Cyclopes se mostrou extremamente conservador, ou seja, ele vem se modificando morfologicamente muito pouco ou quase nada desde então.

"A razão para isso pode estar nos hábitos de vida destes animais, que ocupam um nicho ecológico muito especializado e similar entre as espécies, onde não enfrentam concorrentes", disse a pesquisadora.

Diferenças morfológicas

Se as evidências moleculares são definitivas para a nomeação de novas espécies, o levantamento de dados morfológicos e ecológicos é importante para corroborar as descrições.

"Historicamente, este grupo sempre foi considerado monoespecífico", explica Fabio de Andrade Machado, ex-bolsista da FAPESP atualmente no Museo Argentino de Ciencias Naturales Bernardino Rivadavia, em Buenos Aires.

Machado é um zoólogo especialista na análise das características morfométricas que diferenciam espécies. Na pesquisa, ele auxiliou na diagnose das diferenças morfométricas a fim de encontrar evidências que corroborassem a descrição das novas espécies.

"A técnica que usei é chamada morfometria geométrica. É baseada na análise multivariada de conjuntos de pontos, ou marcos anatômicos, que são usados para mapear a forma de estruturas biológicas. Esse tipo de técnica permite a investigação da estrutura do crânio como um todo e nos dá diferenças gerais na forma entre diferentes espécies", disse.

De acordo com Machado, as análises permitiram diagnosticar que a principal diferença nas espécies estudadas era referente ao táxon mesoamericano (C. dorsalis), que apresenta a região do rostro reduzida em relação aos outros grupos sul-americanos.

Outra conclusão é que animais do Nordeste brasileiro, da Guiana (C. didactylus) e do Xingu (C. xinguensis) apresentam o crânio mais grácil e menos robusto do que as demais espécies. "Apesar de não detectar um diagnóstico preciso, como no caso de C. dorsalis, isso sugere que esse gênero apresenta mais de uma ou de duas espécies", disse Machado.

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