Estudo sobre danos a cidades costeiras considerou apenas prejuízos imobiliários; pesquisadores estimam que, se nada for feito, custos podem ser multiplicados em até dez vezes se considerados a proliferação de doenças causadas pelas inundações e pelo aquecimento global. Os dados levam em conta as projeções para 2050 e 2100 quanto ao aumento no nível do mar e dos picos e frequências das ressacas em Santos, o principal porto da América Latina.
Cidades costeiras convivem com a expectativa de que o nível do mar continue a aumentar nos próximos anos por conta das mudanças climáticas. No caso de Santos, no Brasil, que abriga o maior porto da América Latina, um estudo apoiado pela FAPESP estimou que, em 2100, o nível do mar pode aumentar em até 45 cm e ressacas não só serão mais frequentes, como também alcançarão níveis máximos que superam em 20 cm os níveis atuais.
Co-apoiado pelo Belmont Forum -- iniciativa global que também projeta estratégias de adaptação nas localidades costeiras de Selsey (município britânico) e Broward (condado da Flórida, EUA) -- o estudo chamado Projeto Metrópole definiu os custos mínimos para que a cidade se adapte ao que vem pela frente: cerca de R$ 300 milhões em obras de infraestrutura urbana na região da Ponta da Praia de Santos e na Zona Noroeste. Já o preço por não se adaptar às mudanças climáticas chegaria, pelo menos, à cifra de R$ 1,5 bilhão.
"Mas esse custo de R$ 1,5 bilhão pode estar subestimado, uma vez que o modelo considera apenas a estrutura física de imóveis e os cálculos são baseados no seu valor venal. Se incluirmos prejuízos em outras áreas, como saúde e educação, por exemplo, o valor chegaria facilmente a R$ 3 bilhões", disse José Marengo, coordenador do Projeto Metrópole, à Agência FAPESP.
O pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) Luiz Eduardo Oliveira e Cruz de Aragão, que também integra o projeto, chama a atenção para a amplitude dos impactos climáticos sobre a saúde. Ele explica que o estudo de análise de risco e estratégia de adaptação identificou a conexão entre o fenômeno do El Niño e o aumento dos casos de dengue nos verões de 2010 e 2015 -- nestes anos, os gastos apenas com internação e tratamento para pacientes de dengue em Santos subiram pelo menos R$ 720 mil.
"Colocamos alguns valores, mas se juntarmos todas as doenças relacionadas ao aumento de temperatura e às inundações, que desabrigam pessoas, conseguimos ver o real impacto desse problema na área da saúde", disse.
Cenário futuro aponta para aumento de inundações
Em Santos, o nível relativo do mar tem aumentado em taxas diferentes desde a década de 1940. "Com base em séries históricas, identificamos dois possíveis cenários para a cidade, um mais realista (taxa de elevação do nível relativo do mar de 0,36 cm/ano) e outro, o pior dos cenários (taxa de 0,45 cm/ano). Com base nesses dois cenários, a conclusão foi que o nível do mar pode aumentar entre 18 e 23 centímetros até 2050 e entre 36 e 45 centímetros até em 2100", disse Celia Regina de Gouveia Souza, pesquisadora do Instituto Geológico do Estado de São Paulo e participante do projeto.
O modelo também considera a ocorrência de eventos extremos, como marés meteorológicas e ressacas - cada vez mais frequentes por causa das mudanças climáticas - que resultam em um rápido aumento do nível do mar.
Segundo Gouveia Souza, que mantém um banco de dados sobre a ocorrência desses eventos extremos na Baixada Santista (1928 a 2016), observou-se um aumento considerável do número de eventos de ressaca por ano e outro aumento no número de anos consecutivos com ressacas, a partir do final da década de 1990.
"A série histórica de dados maregráficos de Santos apontou que o nível máximo atingido durante um desses eventos extremos durante a década de 2000 foi de 146 centímetros. As projeções indicam que ele poderá atingir 160 centímetros em 2050 e 166 centímetros em 2100. Com isso, a cidade ficará ainda mais suscetível e vulnerável às inundações costeiras e a erosão na praia aumentará e migrará na direção do Bairro do Embaré (Canal 4)", disse a pesquisadora do IG.
Adaptação: estratégia, política pública e participação popular
Após analisarem os cenários de inundações costeiras para 2050 e 2100 e obterem os danos potenciais sobre os imóveis atingidos, os pesquisadores compartilharam os resultados com a população de Santos e o poder público, para a indicação das melhores medidas de adaptação.
"Nessas discussões com a população é que apareceram as opções de adaptação. Uma delas é a fortificação: construção de muros, diques e melhorar a estrutura. Em outros casos, há medidas como o engordamento da praia. Outra estratégia que vimos como necessária para Santos é a recuperação dos manguezais, que entra na categoria de adaptação baseada em ecossistema", disse Marengo.
"As medidas escolhidas pela população foram bastante adequadas. Esperamos agora que o projeto continue a ser encampado pela população e pelo poder público. Assim, teremos uma perspectiva bastante positiva de que o cenário sombrio não vai acontecer", disse Luci Hidalgo Nunes, pesquisadora da Unicamp e participante do projeto.
Santos foi escolhida pelos pesquisadores do Projeto Metrópole como objeto de estudos não só pela relevância econômica, mas também por ser a cidade costeira brasileira com melhor qualidade de dados históricos sobre marés, chuvas, temperatura e ressacas.
"A adaptação, ainda que seja discutida pela ciência e pelos tomadores de decisão, tem que ter uma política. Tem que partir do governo. É uma ação que não pode parar e que, obviamente, tem que ter investimento. A cidade de Santos chegou a um alto nível de conscientização, com um amplo diálogo entre população, tomadores de decisão e academia. As obras devem ser feitas, pois quando isso fica apenas no papel é o pior que pode acontecer", disse Marengo.
O Projeto Metrópole produziu estudos por quatro anos e reuniu pesquisadores do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), do Instituto Geológico (IG) e das universidades de São Paulo (USP) e Estadual de Campinas (Unicamp). O grupo seguiu três eixos de pesquisa: estimativa de perdas econômicas e análise de capacidade adaptativa, modelagem dos extremos climáticos e impactos na saúde. Os cenários consideraram projeções para os anos de 2050 e 2100.
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