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Obesidade: sensibilidade ao sabor doce preditor da perda de peso após cirurgia do estômago

Peer-Reviewed Publication

Champalimaud Centre for the Unknown

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Credit: Diogo Matias

Um estudo liderado por cientistas do Centro Champalimaud, em Lisboa, concluiu que a cirurgia bariátrica - um tipo de intervenção usado para tratar a obesidade grave através da reconfiguração do tracto gastrointestinal -, conduz a uma maior perda de peso nos doentes que, antes da cirurgia, tinham maior sensibilidade na percepção do sabor doce.

A cirurgia bariátrica é o tratamento mais eficaz da obesidade grave, mas os resultados desta intervenção em termos de perda de peso variam significativamente de uma pessoa para outra. Por isso, o facto de perceber por que alguns doentes obtêm maiores benefícios com a cirurgia bariátrica do que outros pode ser essencial para estimar o resultado da cirurgia num dado doente - e, em última análise, para decidir se essa intervenção se justifica.

É inquestionável que a esta cirurgia induz uma diminuição do consumo alimentar, mas os mecanismos biológicos subjacentes a essa alteração do comportamento permanecem pouco claros. E de facto, uma combinação de vários factores poderá estar em jogo na indução da perda de peso pós-cirúrgica. Por um lado, a cirurgia poderá causar alterações no aspecto puramente sensorial do prazer alimentar, derivada do sabor dos alimentos doces e altamente calóricos. Mas por outro lado, a diminuição do consumo alimentar também poderá resultar de alterações a nível psicológico, onde o prazer alimentar está associado à activação dos circuitos de recompensa do próprio cérebro (que também estão associados à dependência de substâncias). Esta susceptibilidade psicológica aos estímulos alimentares presentes no ambiente tem sido denominada "fome hedónica".

"De acordo com a nossa hipótese", escrevem os autores num artigo que acaba de ser publicado na revista American Journal of Clinical Nutrition, "as variáveis independentes primárias [que foram testadas] foram a avaliação média pelo doente da intensidade e do carácter agradável do sabor doce, bem como a pontuação em escalas psicológicas de fome hedónica e de comportamentos alimentares adictivos." Neste novo estudo, os cientistas testaram se seria possível prever a quantidade de peso perdido após a cirurgia realizando, ainda antes da cirurgia, medições sensoriais e psicológicas do prazer alimentar. "O principal objectivo do estudo era perceber se estas medições pré-cirúrgicas permitiam prever a quantidade de peso que o doente iria perder aproximadamente um ano após a cirurgia", diz o investigador principal do estudo Albino Oliveira-Maia, que lidera a Unidade de Neuropsiquiatria do Centro Champalimaud.

"As medições do prazer alimentar foram realizadas, antes da cirurgia bariátrica, junto de um grande grupo de doentes com obesidade, recrutados em vários hospitais portugueses - nomeadamente no Hospital Espírito Santo Hospital de Évora, no Hospital São Bernardo de Setúbal e no Centro Hospitalar Universitário de São João, no Porto", acrescenta Oliveira-Maia. "Estas medições, de tipo sensorial e psicológico, foram repetidas após a cirurgia."

"Para medir o prazer alimentar, recorreu-se a questionários e a avaliações sensoriais de sabor, incluindo a intensidade e o carácter agradável do sabor da sacarose (açúcar) avaliadas pelos doentes, que foram a seguir acompanhados durante mais de um ano após a cirurgia", pormenoriza Gabriela Ribeiro, primeira autora do estudo. "Como grupo de controlo, avaliámos em paralelo doentes que ainda se encontravam em lista de espera para a cirurgia bariátrica, e portanto a receber tratamentos não-cirúrgicos".

Os dados foram recolhidos de Novembro de 2012 a Junho de 2017. No grupo de controlo, 50 doentes foram reavaliados dois a 18 meses depois da avaliação inicial, enquanto que 86 doentes do grupo cirúrgico foram reavaliados, num primeiro momento, três a seis meses depois da operação, e/ou num momento mais tardio, 11 a 18 meses depois da cirurgia.

Múltiplas surpresas

Os cientistas descobriram que tanto a percepção da intensidade do sabor doce como a fome hedónica (que, como vimos, corresponde à susceptibilidade aos estímulos alimentares) permitiam prever a quantidade de peso que os doentes iriam perder aproximadamente um ano após a cirurgia. "Dado que a nossa principal hipótese de trabalho era que a variabilidade do comportamento alimentar associado ao prazer alimentar deveria permitir prever a perda de peso induzida pela cirurgia bariátrica, estes resultados confirmaram a nossa hipótese", diz Ribeiro.

No entanto, houve também três descobertas surpreendentes. Em primeiro lugar, as associações entre cada tipo de medição (sensorial ou psicológica) e a magnitude da perda de peso correspondente revelaram ser opostas. Por outras palavras, nos doentes com níveis mais elevados de fome hedónica, a cirurgia revelou-se menos eficaz, enquanto nos doentes com níveis mais elevados de sensibilidade sensorial ao sabor doce, a cirurgia revelou-se mais eficaz. "Ficámos surpreendidos ao constatar que duas medidas diferentes do prazer alimentar -, neste caso, a fome hedónica e a intensidade da percepção do sabor doce -, previam o resultado da cirurgia bariátrica em sentidos contrários", salienta Ribeiro.

Em segundo lugar, embora tanto a fome hedónica como a sensibilidade sensorial ao sabor doce eram preditoras da perda de peso, apenas as alterações na percepção da intensidade do sabor doce tinham esta característica, que não se verificou com a avaliação do carácter agradável do sabor doce (que, recorde-se, os cientistas também mediram no estudo). "Isto também é novo e surpreendente", diz Ribeiro. Por último, se bem que as alterações de fome hedónica após a cirurgia não estavam associadas à quantidade de peso perdido, o contrário acontecia com a avaliação pelos doentes da intensidade do sabor doce. Mais precisamente, os doentes que atingiram as maiores perdas de peso após da cirurgia foram aqueles que sofreram as maiores reduções em termos de percepção da intensidade do sabor doce.

Segundo os autores do estudo, o facto de a percepção aumentada da intensidade do sabor doce antes da cirurgia bariátrica permitir prever que a perda de peso será maior após a cirurgia, aliado à descoberta de que quanto maior a redução desta sensibilidade após a cirurgia, maior a perda de peso futura, "sugerem que a percepção da intensidade do sabor doce poderá ser o reflexo de mecanismos biológicos que sustentam a eficácia da cirurgia bariátrica."

"Uma melhor compreensão destes mecanismos poderá permitir melhorar os resultados da cirurgia bariátrica - por exemplo, através da selecção personalizada dos doentes que dela poderão realmente beneficiar. E também poderá levar ao desenvolvimento de novas opções terapêuticas para obesidade, que actuem mais directamente sobre estes mecanismos", conclui Ribeiro.

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