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Células sexuais gulosas, e como a apetência para doces passa para o cérebro

Peer-Reviewed Publication

Champalimaud Centre for the Unknown

Cells with a Sweet Tooth

image: Inside the ovary of the fruit fly, sex cells divide, multiply and grow to become mature eggs. Novel discovery shows that this normal physiological process causes female fruit flies to develop a preference for sugar. view more 

Credit: Zita Santos & Carlos Ribeiro

O nosso trabalho parece fácil quando comparado com o das nossas células. Enquanto elas trabalham arduamente, partindo algumas moléculas e construindo outras, nós basicamente só temos que garantir uma coisa: alimentá-las. Mas com o quê exatamente é que as devemos alimentar? Se considerarmos a constante "competição de interesses" que acontece no nosso corpo, é fácil compreender que este não é um problema de fácil resolução. Enquanto alguns tipos de células, como o caso das células adiposas, anseiam por lipídios, outros têm preferência por proteínas ou açúcares. Quando confrontado com escolhas difíceis como: bife ou sorvete? - Como é que o cérebro considera todas estas exigências e toma uma decisão?

Agora, num estudo realizado em moscas da fruta, cientistas do Centro Champalimaud, em Portugal, fizeram uma descoberta surpreendente. Os resultados, publicados hoje (dia 31 de agosto) na revista científica Nature Metabolism, revelam que mudanças nas exigências nutricionais das células sexuais fazem com que as moscas femininas anseiem por açúcar. Este fenómeno já havia sido descrito em condições patológicas, em particular no cancro. A sua descoberta em contexto fisiológico na produção de óvulos fornece informações importantes sobre a ligação entre a fertilidade e a nutrição.

Células gulosas

Como é que um pequeno grupo de células consegue influenciar o comportamento de todo um organismo? "Uma dica vem da oncologia. Quando uma célula se torna cancerígena, altera a sua maquinaria celular e consome preferencialmente açúcar, transformando-o numa espécie de blocos necessários ao processo de multiplicação celular. Este processo, em que a célula muda a sua 'preferência alimentar' e a sua função, é designado de reprogramação metabólica e é fundamental para o crescimento do tumor.", diz Carlos Ribeiro, investigador principal no Centro Champalimaud e autor responsável/sénior por este estudo.

Este fenómeno também foi descrito em processos não patológicos, principalmente relacionados com o desenvolvimento embrionário. No entanto, não se sabia que esta transformação metabólica das células poderia influenciar as decisões alimentares do organismo", acrescenta Ribeiro. "Isto foi exatamente o que nos propusemos a explorar."

Carlos Ribeiro, juntamente com Zita Santos, investigadora de pós-doutoramento no laboratório e a outra autora responsável/sénior deste estudo, decidiu concentrar-se no sistema reprodutor da mosca da fruta, mais especificamente no processo de produção de ovos. "Um ovo começa com uma única célula sexual, que se divide, multiplica e cresce. Os descendentes dessa célula original transformam-se nos diferentes tipos de células que constituem o óvulo completo", explica Santos.

Quando os investigadores acompanharam as células ao longo de todo o processo de produção do ovo, descobriram que, tal como acontece nas células cancerígenas, estas passavam por um processo de reprogramação metabólica. Mas para além disso, observaram também que estas células estavam a ativar exatamente o mesmo mecanismo usado pelas células cancerígenas para promover a proliferação celular, aumentando a sua necessidade por açúcar. Por outras palavras, estavam a tornar-se gulosas.

"Ficámos fascinados com estes resultados", diz Santos. "Uma vez que explicam estudos anteriores onde está descrito que as células sexuais da mosca fêmea absorvem uma elevada proporção de açúcares consumidos pelo animal. E também vem ao encontro do papel desempenhado pelo ovo, uma vez que este precisa de sintetizar nutrientes para o embrião em desenvolvimento".

Escolhas alimentares feitas abaixo da cintura

Estes promissores resultados levaram os investigadores a testar se a reprogramação metabólica das células sexuais no ovário influenciava a escolha alimentar do animal. Quando compararam as preferências alimentares das moscas fêmeas normais com as das moscas incapazes de produzir ovos, observaram uma diferença robusta. "O grupo de moscas estéreis tinha um apetite pelo açúcar significativamente inferior ao das moscas normais!"

Além disso, quando os investigadores manipularam a capacidade das células para metabolizar o açúcar, tanto a produção de ovos quanto o apetite por açúcar dos animais encontravam-se afetados. "Isto demonstra que não são as próprias células que geram a mudança de comportamento, mas sim o seu programa metabólico. É este programa específico que faz com que as moscas obtenham o combustível necessário para a produção de ovos."

Como é que as alterações celulares no ovário chegam até o cérebro e alteram o comportamento das moscas? Para responder a esta pergunta, os investigadores voltaram a sua atenção para uma molécula chamada Fit. Esta pequena molécula é produzida no tecido adiposo que envolve o cérebro da mosca e quanto mais Fit uma mosca tem no seu sistema, menos ela gosta de doces.

Mais uma vez, os investigadores descobriram uma clara diferença entre fêmeas normais e estéreis. Os níveis de Fit são significativamente superiores no grupo infértil. "Esta é uma forte indicação de que o efeito das células sexuais no cérebro é mediado por esta molécula. Ainda não sabemos como ocorre a comunicação entre o ovário e o tecido adiposo do cérebro, mas estamos a trabalhar nesse sentido", acrescenta Santos com um sorriso.

Dieta e Fertilidade

As descobertas desta equipa descrevem um novo mecanismo pelo qual o metabolismo de um pequeno grupo de células no ovário controla o comportamento alimentar do animal. Poderão estes resultados ser relevantes no campo da fertilidade?

Zita Santos e Carlos Ribeiro foram premiados recentemente com financiamento pelo Global Consortium for Reproductive Longevity and Equality (GCRLE) para dar resposta a esta pergunta. Na base da sua abordagem, está uma ideia original: reverter o processo.

"É como a velha história do ovo e da galinha", diz Santos. "O que acontece primeiro: a reprogramação metabólica ou as mudanças na preferência alimentar? Descobrimos que a reprogramação metabólica das células faz com que a fêmea consuma mais açúcar, algo de que ela precisa. O que agora queremos perceber é o que acontece durante o envelhecimento: Poderão as mudanças no metabolismo explicar o declínio da fertilidade? Será possível manipular a fertilidade da mosca à medida que ela envelhece, através da manipulação sua dieta? "

Como explica Zita Santos, as moscas fêmeas, da mesma forma que as mulheres, experienciam infertilidade relacionada à idade. A investigadora levanta a hipótese de que mudanças nos programas metabólicos dos ovários conduzem ao declínio reprodutivo e que esse fenómeno pode ser reduzido ou revertido através de intervenções dietéticas específicas.

"Vamos explorar esta hipótese utilizando a mosca da fruta, recorrendo para isso a uma combinação de métodos de sequenciamento de RNA de célula única e análises metabólicas. Em paralelo, caracterizaremos os resultados celulares do declínio dos ovários e o comportamento alimentar desses animais. Isto irá permitir-nos desenhar estratégias alimentares para reverter as alterações identificadas e aumentar a reprodução em moscas mais velhas.

Acreditamos que este é um poderoso caminho para a identificação de processos potencialmente reversíveis subjacentes ao declínio relacionado à idade reprodutiva. Para além disso, sendo este um mecanismo partilhado por células cancerígenas, os nossos resultados poderão ser também relevantes para o tratamento do cancro.", conclui Ribeiro.

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