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Um estudo elucida mecanismos epigenéticos por trás das doenças autoimunes

Pesquisadores brasileiros usam ferramenta de edição em gene que desempenha papel-chave na eliminação das células autoagressivas e no controle do surgimento de doenças, como o diabetes mellitus do tipo 1

Peer-Reviewed Publication

Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo

Medullary Thymic Epithelial Cells (mTECs)

image: This is an immunofluorescence image of mTECs, with cell nucleus highlighted in blue and Aire genes shown as red dots. view more 

Credit: Karina F. Bombonato-Prado (FORP-USP)

Um grupo de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), no Brasil, usou a ferramenta de edição do DNA "CRISPR/Cas9" para manipular um dos genes associados aos linfócitos T autoagressivos que desencadeiam as doenças autoimunes, como a síndrome poliglandular autoimune tipo 1 (APS-1) e o diabetes mellitus do tipo 1.

O gene Aire (sigla em inglês de autoimmune regulator), que atua nas células da medula do timo (células mTEC), foi recentemente descrito como um controlador da "autoimunidade agressiva" - que é como se denomina a falha do sistema imunológico humano em reconhecer tecidos e órgãos como elementos próprios do corpo, passando a atacá-los como se fossem estranhos.

"Usamos, pela primeira vez, o CRISPR/Cas9 para 'anular' o Aire em células mTEC de camundongos cultivadas in vitro [fora do corpo dos animais] e estudar o efeito da perda de função desse gene", disseGeraldo Aleixo Passos, coordenador da pesquisa que contou com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP.

Passos, que é professor da Faculdade de Medicina (FMRP) e de Odontologia de Ribeirão Preto (FORP), avalia que a utilização da técnica CRISPR/Cas9 abre perspectivas importantes de pesquisa de modo a "mimetizar" as mutações do gene Aire encontradas nos pacientes com doenças autoimunes.

"Isso facilitará muito as pesquisas sobre o efeito das mutações patogênicas do gene Aire. Como os genomas do homem e do camundongo são muito parecidos em termos de sequências de DNA [mais de 80% de identidade], poderemos continuar a utilizar o CRISPR/Cas9 nas células desse animal para estudar os mecanismos da autoimunidade agressiva que acontece em humanos e quem sabe, no futuro, tentar corrigi-los", disse Passos.

Um artigo publicado recentemente revista Frontiers in Immunology traz os principais resultados do estudo, também fruto do trabalho do mestrado realizado por Cesar Augusto Speck-Hernandez na FMRP-USP.

Pacientes com APS-1 têm Aire mutante

Passos explica que as doenças autoimunes são desencadeadas por autoanticorpos (que reagem contra o próprio corpo) ou pelos linfócitos T autoagressivos. Essas células, provenientes dos "timócitos", são "educadas" na glândula do timo (um órgão torácico, situado logo à frente do coração) para não atacar os elementos próprios do corpo.

Quando essa educação falha, o timo deixa escapar para o resto do corpo linfócitos T autoagressivos que podem agredir órgãos, como a glândula suprarrenal (causando a síndrome APS-1) ou o pâncreas, onde destroem as células produtoras de insulina e provocam o surgimento do diabetes mellitus do tipo 1.

Pesquisadores da área de imunologia sempre associaram a função do gene Aire com a eliminação dos timócitos autoagressivos, pois os pacientes com a síndrome APS-1, por exemplo, apresentam mutações na sequência do DNA desse gene. Mas ainda não havia uma demonstração cabal que validasse essa associação.

"Decidimos testar a hipótese de que o gene Aire estaria envolvido na eliminação dos timócitos autoagressivos ao controlar a adesão física ou contato deles com as células mTEC. Sem o contato físico com as células mTEC os timócitos autoagressivos não são eliminados", disse o coordenador da pesquisa apoiada pela FAPESP.

Edição do gene

Os pesquisadores intuíram que, se os pacientes com doenças autoimunes apresentam mutações no Aire, o gene perderia a função de controlar a adesão entre as células mTEC e os timócitos autoagressivos.

A fim de testar essa hipótese, eles usaram o CRISPR/Cas9 para romper o DNA do gene Aire de células mTEC de camundongos e provocar mutações nele, a fim de possibilitar a perda de sua função original.

Para funcionar, um gene tem que estar íntegro, ou seja, não pode ter mutações deletérias. Quando o DNA dele é rompido por meio do CRISPR/Cas9, a célula dispara um sistema emergencial de "reparo" para reunir novamente a dupla fita antes que ela morra. Como esse sistema de reparo não é muito eficiente, a própria célula gera erros na sequência do gene-alvo, que resultam em mutação, explicou Passos.

"O gene-alvo mutante geralmente perde a sua função original e isso ocasiona algum problema na célula mutante", disse.

O estudo apoiado pela FAPESP observou que as células mTEC Aire mutantes se mostraram menos capazes de aderir aos timócitos quando comparadas com as células normais, chamadas Aire selvagens.

Ao fazer o sequenciamento do transcriptoma, ou seja, do conjunto completo dos RNAs mensageiros (mRNAs, codificadores de proteínas) das células mTEC Aire mutantes e das selvagens, eles observaram que o gene Aire também controla mRNAs codificadores de proteínas envolvidas com a adesão célula-célula.

Em um estudo anterior, feito durante o trabalho de mestrado de Nicole Pezzi, sob orientação de Passos, os pesquisadores demonstraram por meio de uma técnica de silenciamento gênico, chamada RNA interferente, que o gene Aire realmente controla a adesão entre as células mTEC e os timócitos.

"Essas novas constatações reforçam a tese de que o gene Aire está implicado na adesão mTECs-timócitos, que é um processo essencial para eliminação das células autoagressivas e prevenção das doenças autoimunes", disse Passos, pesquisador associado ao Centro de Pesquisa em Doenças Inflamatórias (CRID http://crid.fmrp.usp.br), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID http://cepid.fapesp.br/home) financiado pela FAPESP.

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Sobre a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP)

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