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Em teste com ratos, canabidiol apresentou efeitos sustentados contra depressão por 7 dias

Primeiros resultados apareceram 24h após única dose do componente da maconha; cientistas concluem que CBD ativa mecanismos que recuperam circuitos neuronais no córtex pré-frontal e no hipocampo de pacientes

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Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo

Pesquisa aplicou uma única dose da substância e observou resultados em 24h; cientistas concluem que CBD ativa mecanismos que recuperam circuitos neuronais no córtex pré-frontal e no hipocampo de pacientes

Os antidepressivos comerciais costumam demorar de duas a quatro semanas para promoverem efeitos significativos em pacientes deprimidos. Além disso, tais drogas são ineficazes para cerca de 40% dos pacientes. Encontrar novos antidepressivos de ação rápida e douradora é o objetivo de uma pesquisa conduzida por cientistas brasileiros do Estado de São Paulo e dinamarqueses.

Eles observaram em estudo que uma única aplicação de canabidiol em ratos com sintomas depressivos apresentou efeitos muito significativos, com remissão de sintomas de depressão no mesmo dia e a manutenção dos efeitos benéficos por uma semana.

O trabalho reforça estudos anteriores de que o canabidiol, um componente da maconha (Cannabis sativa), tem potencial terapêutico promissor no tratamento da depressão de amplo espectro em modelos pré-clínicos e humanos.

Resultados foram publicados em artigo na revista Molecular Neurobiology por pesquisadores do grupo liderado por Sâmia Regiane Lourenço Joca, professora na Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FCFRP-USP), no Brasil.

O artigo teve como primeira autora Amanda Juliana Sales, bolsista de doutorado da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP. A pesquisa contou com apoio da Fundação, por meio de um Projeto Temático, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da dinamarquesa Aarhus University Research Foundation.

Francisco Silveira Guimarães, coordenador do Projeto Temático FAPESP e professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, ressalta que o canabidiol, apesar de extraído da maconha, não produz dependência nem efeitos psicotrópicos. "A substância na maconha responsável por tais efeitos é o tetraidrocanabinol (THC) e com o canabidiol ocorre o oposto, ele exerce ação bloqueadora sobre alguns efeitos do THC", disse.

Metodologia

O experimento foi feito com linhagens de ratos e camundongos selecionadas por cruzamento para desenvolver sintomas de depressão. Foram feitos testes e analisado o comportamento de 367 animais.

Um dos testes (foram cinco ao todo) envolveu o nado forçado. "Submetemos os animais a situações de estresse, como o teste de nado forçado", disse Joca, que também é professora visitante na Aarhus University.

Antes do teste, uma parte dos animais recebeu uma injeção de canabidiol (com dosagens de 7, 10 e 30 mg/kg) em solução salina, enquanto outra parte dos animais, o grupo de controle, recebeu apenas a solução salina.

Após 30 minutos, os animais foram colocados por 5 minutos em cilindros (25 cm de altura por 17 cm de diâmetro) com 30 cm de água (no caso dos ratos) ou 10 cm de água (camundongos).

"Essas alturas impedem que eles apoiem a cauda no chão, forçando-os a nadar. No entanto, os animais aprendem a boiar após um tempo de nado e não se afogam. Quando estão boiando, os movimentos são mínimos, apenas para manter a cabeça fora da água e garantir que não se afoguem. É justamente isso que consideramos imobilidade, ou seja, quando param de nadar e boiam", disse a pesquisadora apoiada pela FAPESP.

"O teste de nado forçado é um teste utilizado para avaliar efeito de drogas antidepressivas, uma vez que todos os antidepressivos conhecidos diminuem o tempo de imobilidade durante o teste (aumentam o tempo de nado). Portanto, diminuição do tempo de imobilidade nesse teste é interpretado como efeito 'tipo antidepressivo'", disse.

Os cientistas constataram que o canabidiol induziu efeitos semelhantes a antidepressivos agudos e sustentados nos camundongos submetidos ao teste de nado forçado.

"No entanto, para assegurar de que esse resultado não seria decorrente apenas do aumento da atividade locomotora devido a um efeito psicoestimulante que levaria, por exemplo, os animais a nadarem mais, tivemos que realizar um controle de atividade locomotora", disse Joca.

"Para isso, fizemos o teste do campo aberto, que consiste em colocar o animal para explorar livremente um ambiente novo, enquanto registramos sua atividade locomotora e exploratória. Para dizer que uma droga tem potencial efeito antidepressivo, ela deve ser capaz de reduzir o tempo de imobilidade (aumentar o tempo de nado) no teste do nado forçado, sem aumentar a atividade locomotora no campo aberto, pois isso indicaria que os efeitos no teste do nado forçado não seriam secundários a alterações inespecíficas de atividade locomotora", disse.

Recuperação de circuitos neurais

A conclusão do trabalho foi que o tratamento com canabidiol induz efeitos rápidos e sustentados em animais submetidos a diferentes modelos de depressão (incluindo modelos de estresse e modelos de susceptibilidade genética).

Sete dias após uma única administração, foi possível observar aumento do número de proteínas sinápticas no córtex pré-frontal, que está intimamente relacionada à depressão em humanos. "Diante disso, acreditamos que o canabidiol inicie rapidamente mecanismos neuroplásticos que contribuem para recuperar circuitos neurais que estão prejudicados na depressão", disse Joca.

"Ao estudar os mecanismos envolvidos nesses efeitos, observamos que o tratamento com canabidiol induz rápido aumento dos níveis de BDNF (fator neurotrófico derivado de cérebro), uma neurotrofina importante para a sobrevivência neuronal e neurogênese, que é o processo de formação de novos neurônios no cérebro. Também foi observado no córtex pre-frontal dos animais o aumento da sinaptogênese, que é o processo de formação de sinapses entre os neurônios do sistema nervoso central", disse.

Mas a atuação benéfica do canabidiol não se restringe ao córtex pré-frontal. "Em outro trabalho, demonstramos que o efeito do CBD também envolve mecanismos neuroplásticos que ocorrem no hipocampo, outra estrutura envolvida na neurobiologia da depressão", disse a pesquisadora apoiada pela FAPESP.

Segundo ela, caso o resultado do estudo do uso de canabidiol em ratos venha a ser também observado em humanos, uma vez que o canabidiol já é usado em humanos para outros problemas de saúde, "pode resultar em avanço importante no tratamento da depressão, com possibilidade de ajudar pacientes que sofrem por semanas, muitas vezes com risco de suicídio, até o que o tratamento funcione".

Estudos em humanos

No momento, os pesquisadores da USP em Ribeirão Preto investigam outros mecanismos envolvidos nos efeitos do canabidiol e seus efeitos em modelos animais de resistência aos tratamentos convencionais.

"Estamos estudando, por exemplo, se o canabidiol seria eficaz também em pacientes que não respondem à terapia convencional ou se quando associados a esses antidepressivos poderia haver melhora dos sintomas. Neste sentido, em outro trabalho nosso que acaba de ser publicado na revista Progress in Neuro-Psychopharmacology and Biological Psychiatry, demonstramos que o tratamento com canabidiol facilita a neurotransmissão serotoniérgica no sistema nervoso central, sendo que sua combinação com doses baixas de antidepressivos inibidores seletivos da recaptação de serotonina, como a fluoxetina, induz efeito significativo efeito antidepressivo", disse Joca.

"Portanto, há a possibilidade de que o tratamento combinado de canabidiol com inibidores da receptação de serotonina permita que esses sejam usados em menores doses, possivelmente diminuindo os efeitos adversos desses fármacos, mas mantendo o efeito terapêutico observado em doses maiores", disse.

Diante disso, os autores do estudo estimam que o canabidiol tenha potencial efeito antidepressivo para induzir resposta mais rapidamente do que os fármacos convencionais e que, quando associado a esses, seja capaz de melhorar a resposta dos antidepressivos.

"Nossas evidências indicam que esses efeitos ocorreriam por induzir alterações neuroplásticas no córtex pré-frontal e no hipocampo, estruturas envolvidas no desenvolvimento da depressão. Como o canabidiol é usado em humanos para tratamento de outras condições médicas, acreditamos que possa ser estudado também em humanos, em um futuro breve, para o tratamento da depressão", disse.

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Sobre a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP)

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