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Consórcio realiza primeiro estudo sobre epilepsia com grande amostragem

Estudo internacional multicêntrico avaliou com técnicas de neuroimagem mais de 3,8 mil voluntários em busca de alterações anatômicas específicas de cada subtipo da doença.

Peer-Reviewed Publication

Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo

Um consórcio internacional de pesquisa analisou, com técnicas de neuroimagem, o cérebro de mais de 3,8 mil voluntários de diferentes países. É o maior estudo do tipo já feito. O objetivo foi investigar semelhanças e diferenças anatômicas presentes no cérebro de indivíduos com diferentes tipos de epilepsia e, assim, buscar marcadores que auxiliem no prognóstico e no tratamento.

A frequência e a gravidade das crises de epilepsia - bem como a resposta à terapia medicamentosa - variam de acordo com a parte do cérebro afetada e outros fatores ainda não completamente conhecidos. Dados da literatura científica indicam que aproximadamente um terço dos pacientes não responde bem às drogas antiepilépticas. Estudos mostram que esses indivíduos são mais propensos a desenvolver alterações cognitivas e comportamentais com o passar dos anos.

A nova pesquisa foi conduzida no âmbito de um consórcio internacional chamado ENIGMA (acrônimo em inglês para Melhorando a Neuroimagem Genética por Metanálise), dedicado a estudar diversas doenças neurológicas e psiquiátricas. Participaram deste estudo 24 centros, de diversos países, ligados ao subgrupo do consórcio que trata de epilepsia.

Ao todo, foram incluídos dados de 2.149 pessoas com epilepsia e 1.727 indivíduos controle (sem doença neurológica ou psiquiátrica). Um dos centros participantes do estudo, o Instituto de Pesquisa sobre Neurociências e Neurotecnologia (BRAINN) foi o que conseguiu a maior amostragem: 291 pacientes e 398 controles. Sediado no Brasil, na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), trata-se um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP.

"Cada centro ficou responsável por coletar e analisar os dados de seus pacientes. Em seguida, todo o material foi enviado para o Imaging Genetics Center, da University of Southern California, nos Estados Unidos, centro responsável por consolidar os resultados em uma metanálise", explicou Fernando Cendes, professor da Unicamp e coordenador do BRAINN.

Diferencial do estudo

Todos os participantes foram submetidos a exames de ressonância magnética. Como explicou Cendes, foi usado um protocolo específico para aquisição da imagem em três dimensões. "Isso permite que, com o auxílio de programas de computador, seja feito um pós-processamento das imagens. Elas são segmentadas em milhares de pontos anatômicos, que são avaliados e comparados um a um", explicou.

De acordo com o pesquisador, o avanço nas técnicas de neuroimagem tem permitido detectar alterações estruturais no cérebro de pessoas com epilepsia que antes passavam despercebidas.

Cendes também ressalta que este é o primeiro estudo sobre epilepsia a contemplar uma série realmente grande de pacientes, o que permitiu a obtenção de dados mais robustos. "Existiam muitas discrepâncias nos estudos anteriores, que incluíram algumas dezenas ou centenas de voluntários", disse.

Os pacientes incluídos no estudo foram divididos em quatro subgrupos: epilepsia do lobo temporal mesial com esclerose hipocampal à esquerda; epilepsia do lobo temporal mesial com esclerose hipocampal à direita; epilepsia generalizada genética; e um quarto grupo que abrangeu vários subtipos menos comuns da doença.

A análise quantitativa incluiu tanto pacientes que já convivem com a doença há muitos anos como também aqueles recentemente diagnosticados. Segundo Cendes, o objetivo da análise - que teve resultados divulgados no periódico internacional Brain) - foi identificar regiões do cérebro que estão atrofiadas, ou seja, áreas em que a espessura cortical está reduzida em relação ao grupo controle.

Primeira análise

Para investigar se existiam alterações anatômicas comuns a todas as formas de epilepsia, os pesquisadores avaliaram dados dos quatro subgrupos de pacientes em conjunto e compararam com o controle. "Foi possível notar que os quatro subgrupos apresentam atrofias em regiões do córtex sensitivo motor e também em algumas áreas do lobo frontal", disse Cendes.

"Os exames de ressonância magnética comuns não revelam alterações anatômicas nos casos de epilepsia generalizada genética. Um dos objetivos deste estudo era confirmar se também nestes pacientes existiam áreas de atrofia e vimos que sim", contou.

Segundo o pesquisador, esse dado mostra que, no caso da epilepsia de lobo temporal mesial, existem alterações que vão além da área onde as crises epilépticas são geradas (hipocampo, para-hipocampo e amígdala). O acometimento do cérebro, portanto, é ainda maior do que se imaginava.

Cendes também comentou que pacientes com mais tempo de doença apresentaram maior área do cérebro comprometida. "Isso reforça a hipótese de que, à medida que a doença progride, mais regiões cerebrais vão ficando atrofiadas e mais prejuízos cognitivos aparecem."

O passo seguinte foi analisar os subgrupos de pacientes separadamente, em busca de alterações características de cada forma da doença. Os resultados confirmaram, por exemplo, que a epilepsia do lobo temporal mesial com esclerose hipocampal à esquerda apresenta alterações em circuitos neuronais distintos dos afetados pela epilepsia do lobo temporal mesial com esclerose hipocampal à direita.

"A epilepsia de lobo temporal é uma forma focal da doença, ou seja, atinge uma região específica do cérebro. É também o subtipo de epilepsia refratária ao tratamento mais comum no adulto. Sabemos que quando acomete o hemisfério esquerdo produz um quadro diferente e mais grave do que quando atinge o hemisfério direito. São doenças distintas", explicou Cendes.

"Uma doença não é simplesmente o espelho da outra. Quando o hemisfério esquerdo é atingido o acometimento é mais intenso e mais difuso. Antigamente se acreditava que isso acontecia porque o hemisfério esquerdo é dominante para a linguagem, mas parece ser algo além disso. Ele é de alguma forma mais vulnerável que o direito", disse Cendes.

No subgrupo de epilepsia generalizada genética, foi possível notar atrofias em regiões do tálamo, localizado na região central profunda do cérebro humano, acima do hipotálamo, bem como do córtex motor. "É uma alteração sutil, mas presente em comparação aos indivíduos controle", afirmou Cendes.

Embora atinja o órgão de maneira difusa, a forma generalizada genética costuma ser mais facilmente controlável por meio de fármacos e ter uma evolução menos deletéria para o paciente, disse o pesquisador.

Futuros desdobramentos

Na avaliação do coordenador do centro apoiado pela FAPESP, os achados publicados no artigo deverão beneficiar as pesquisas na área e, no futuro, terão implicações também no diagnóstico da doença. Em paralelo à análise de alterações anatômicas, o grupo está avaliando alterações genéticas que possivelmente poderão explicar determinados padrões hereditários no contexto das atrofias cerebrais. Os resultados das análises genéticas deverão ser publicados em breve.

"Sabendo que existe uma assinatura mais ou menos específica de cada subtipo da doença, em vez de procurar alterações em todo o cérebro podemos nos concentrar nas áreas suspeitas, reduzindo o custo, o tempo e ampliando o poder estatístico das análises. Em seguida, será possível correlacionar essas alterações com disfunções cognitivas ou alterações comportamentais", disse Cendes.

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