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Como a malha fundiária impulsiona as taxas de desmatamento no Brasil

Direitos fundiários mal definidos aumentam o desmatamento, mas os direitos fundiários privados devem ser acompanhados de políticas ambientais rigorosas.

Peer-Reviewed Publication

German Centre for Integrative Biodiversity Research (iDiv) Halle-Jena-Leipzig

image: Tropical deforestation view more 

Credit: Amazônia Real from Manaus AM, Brasil, CC BY 2.0, via Wikimedia Commons

Leipzig, Alemanha. O desmatamento tropical causa uma degradação generalizada da biodiversidade e dos estoques de carbono. Pesquisadores do Centro Alemão de Pesquisas Integradas sobre Biodiversidade (iDiv) e da Universidade de Leipzig analisaram a relação entre a posse da terra e as taxas de desmatamento no Brasil. Em um artigo recentemente publicado no periódico Nature Communications, os pesquisadores mostram que direitos fundiários mal definidos andam de mãos dadas com o aumento das taxas de desmatamento. A privatização de terras com direitos fundiários mal definidos como é frequentemente promovida nos trópicos, pode mitigar este efeito apenas se combinada com políticas ambientais rigorosas. 

As florestas no Brasil abrigam a maior biodiversidade e as maiores reservas de carbono do mundo. Entretanto, a crescente demanda por produtos agrícolas coloca pressão sobre áreas com cobertura florestal, o que frequentemente resulta em desmatamento. A posse da terra rege como e por quem a terra pode ser usada. Portanto, mudanças específicas no regime de posse de terra, como privatizá-la ou colocá-la sob proteção ambiental, podem ter implicações para as florestas. 

Pesquisadores do iDiv e da Universidade de Leipzig analisaram 33 anos (1985-2018) de desmatamento nas florestas brasileiras induzido pela agricultura. Utilizando dados no nível de propriedade, os autores puderam comparar seis regimes de posse de terras (áreas protegidas sem título, privadas, estritamente protegidas e de uso sustentável, terras indígenas e terras "quilombolas" detidas por comunidades afro-brasileiras) e tirar conclusões sobre como esses regimes afetam o desmatamento.

Terras com direitos de posse mal definidos aumentam o desmatamento

As terras de propriedade pública com direitos de posse mal definidos aumentaram clara e consistentemente o desmatamento em comparação com todas as outras alternativas. Estas terras, que não são tituladas nem designadas para qualquer uso, mas que podem ser habitadas por assentados rurais com direitos de propriedade pouco ou nada garantidos, somam quase cem milhões de hectares no Brasil. 

"As altas taxas de desmatamento nestas terras podem ter muitas razões", explica a autora principal Andrea Pacheco, ex-pesquisadora do iDiv e atualmente trabalhando na Universidade de Bonn. "Por exemplo, o governo pode simplesmente não ter a capacidade de monitorar efetivamente o desmatamento in situ nestas terras, resultando no não cumprimento das políticas ambientais e, consequentemente, em altas taxas de  desmatamento ilegal". Esta capacidade institucional limitada pode atrair especuladores que desmatam florestas para posteriormente reivindicar direitos de uso. Uma outra explicação pode ser que, para algumas das famílias que vivem em assentamentos sem terra e que não têm condições de pagar os preços dos mercados de terras legais, limpar essas terras não designadas acaba sendo a única alternativa para que consigam acesso à terras para produção agrícola".

"É por isso que as políticas e intervenções que afetam a posse são tão importantes nestas terras. Nosso estudo demonstra que qualquer regime alternativo de posse com direitos e regulamentos bem definidos e implementados provavelmente ajudaria a reduzir este desmatamento", acrescenta o último autor, Dr. Carsten Meyer do iDiv e Universidade de Leipzig. 

Os regimes privados podem ser eficazes se associados a uma política ambiental rigorosa

"Privatizar terras não designadas e sem título pode ser altamente eficaz como um meio de reduzir o desmatamento, mas somente sob certas condições e se associado a políticas ambientais rigorosas. Se este não for o caso, o desmatamento pode aumentar", adverte Carsten Meyer. Um exemplo de tais políticas ambientais é o Código Florestal, que exige que os proprietários de terras na Amazônia mantenham 80% de cobertura vegetal nativa em suas terras.

Entretanto, em contextos com um arcabouço diferente de políticas ambientais, regimes privados tendem a diminuir o desmatamento de forma menos eficaz e menos confiável do que regimes alternativos bem definidos. Os pesquisadores mostram que tanto as unidades de conservação de proteção integral quanto as unidades de conservação de uso sustentável reduziram de forma mais confiável as taxas de desmatamento em todo o Brasil. 

Eles também mostram que os efeitos da posse por povos indígenas e comunidades locais (PICL) dependem do contexto. No entanto, privatizar as terras dos PICL provavelmente aumentaria o risco de desmatamento nessas terras. "Como grande parte das florestas remanescentes do mundo estão em terras de PICL, levar em conta os contextos locais é essencial para desenhar políticas com sinergias tanto para a conservação da biodiversidade quanto para os PICL", diz Andrea Pacheco.

A necessidade imperativa de políticas que tratem de terras não definidas e privadas

Dado o cenário do debate político em curso no Brasil em torno da privatização e do debate internacional sobre proteção de florestas em paisagens tropicais, este estudo pode contribuir para o desenho de políticas que estejam alinhadas com os objetivos de desenvolvimento sustentável. Os resultados mostram que, antes de mais nada, as intervenções em terras não designadas/sem título devem ser prioridade das políticas relacionadas ao uso da terra no Brasil. Além disso, para evitar efeitos negativos de terras privadas, é essencial fortalecer as políticas ambientais e a capacidade do Estado para implementá-las, principalmente em regiões como o Cerrado e o Pantanal, onde a maioria das terras florestais remanescentes do Brasil são privadas.


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