Feature Story | 15-Apr-2024

A primeira chegada das peças de Shakespeare a Portugal

O professor John Stone, da Universidade de Barcelona, Demonstrou que dois exemplares de Otelo chegaram a Lisboa em meados do século XVIII

University of Barcelona

O professor John Stone, da Universidade de Barcelona, encontrou o pedido de remessa para Lisboa de dois exemplares do Otelo de Shakespeare, datado de 1765, na correspondência do académico inglês John Preston, professor do English College de Lisboa, dirigido ao comissário do colégio em Londres, John Sheppard. Stone descobriu esta referência no Ushaw College, em Durham (Reino Unido), onde se conserva toda a documentação do English College de Lisboa, que fechou as suas portas em 1973, após mais de 300 anos de atividade.

Embora se tivesse conhecimento da existência de traduções parciais, por vezes a partir de edições francesas, das obras de Shakespeare em Portugal desde finais do século XVIII, esta é a primeira vez que se documenta a chegada das obras de Shakespeare na sua língua original a Lisboa e, por extensão, ao mundo lusófono. Tal conhecimento confirma que as obras de Shakespeare circulavam entre redes familiares e comerciais binacionais e bilingues ou multilingues, bem como entre leitores para os quais o inglês não era a sua língua materna nem a língua de origem.

Os citados exemplares foram enviados por via marítima, juntamente com muitos outros volumes que faziam parte de uma encomenda maior. Preston e o College solicitavam e recebiam regularmente livros e mercadorias de Inglaterra. Tais remessas fornecem o contexto imediato que permite compreender a presença de Otelo em Portugal nos anos sessenta do século XVIII. Para além disso, este facto aponta para um fenómeno de maior amplitude, tanto de expatriados britânicos e irlandeses como de uma comunidade local que lia muito em inglês ao longo do século XVIII.

John Preston (1712-1780), que era padre e professor de teologia, foi tutor do príncipe herdeiro do trono português e responsável pelo desenvolvimento da política de integração do English College na vida civil portuguesa. Este colégio era um estabelecimento modesto, com cerca de vinte e cinco alunos, e fazia parte de uma rede informal mas extensa de instituições diaspóricas que serviam a católicos ingleses, escoceses e irlandeses.

Stone pergunta-se porque é que Preston encomendou precisamente duas cópias de Otelo, em vez de obras como Rei Lear, Macbeth, Romeu e Julieta ou António e Cleópatra. O especialista destaca que, talvez, este facto “esteja relacionado com uma longa tradição teatral portuguesa protagonizada por personagens africanas (bandas desenhadas  linguisticamente marcadas) ou, mais genericamente, ao facto de a obra ser, em si mesma, um drama de expatriados numa cultura marítima”.

John Stone é professor de Literatura Inglesa na Faculdade de Filologia e Comunicação da UB, onde ensina literatura britânica dos séculos XVII, XVIII e XIX. Publicou em catalão uma edição académica do Prefácio a Shakespeare (2004), de Samuel Johnson. É também coinvestigador principal, juntamente com a catedrática Deanne Williams (Universidade de York), do projeto de investigação “Shakespeare and Diasphoric Book History in Iberia, 1592-1810 (Social Science and Humanities Research Council of Canada)”, que se centra na circulação de impressos através das redes diaspóricas. A sua nova investigação coloca o foco no inglês como língua de cultura na Espanha do século XVIII, com especial ênfase na formação de bibliotecas pessoais e institucionais, no contrabando de livros e em casos de tradução direta do inglês para o espanhol. Em 2020, Stone descobriu a primeira obra de Shakespeare a chegar a Espanha, e, em 2021, descobriu a identidade do primeiro tradutor de Dickens para o espanhol.

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